Hoje foi um dia movimentado aqui no cafofo. Eles foram chegando sem avisar e já abrindo a geladeira, porque são todos da casa.
O primeiro foi Seu Alécio. Logo cedo, entrou na quarto pra me acordar, e já deu uma bronca, de leve, porque tinha dormido com a porta da casa aberta. Fiz o café, que ele bebeu fazendo aquele barulhinho ao sorver, de quem não quer queimar a língua com bebida quente. Aproveitou pra me dar conselhos, mais alguns. Meio desanimado porque, sabia, eu sempre fazia o contrário.
Depois, estacionando o antigo caminhão F-8 na porta, desceu o Velho Chico e Dona Mariana. Ele vinha trazendo o acórdeon que me prometera, assim que soube do meu interesse em estudar música. Dona Mariana, depois de muitos beijos, já foi pra cozinha providenciar uns pasteizinhos de carne e queijo com tomate e orégano para o tira gosto.
E ficamos lá papeando. O clima esquentou quando os dois começaram a discutir quem seria rebaixado pra segunda divisão do brasileirão, o Palmeiras ou o Corinthians. Eu, apesar de palmeirense, nessas horas torço pro Juventus desde pequenininho, que não era besta de meter a colher entre os dois.
Perto da hora do almoço chegou a Guelita, com toda a sua alegria. Já foi ajustando os longos cabelos grisalhos num coque perfeito em cima da cabeça, colocando o avental, e ajudando Dona Mariana na cozinha, enquanto cantarolava e assobiava canções de Espanha.
Quando Seu Wilson chegou, o primeiro, eu, o Xará, já que apareci depois pra roubar sua menininha, estava terminando de pintar o portão, tarefa que ele logo se prontificou a ajudar. Só pediu que colocassemos um cd da Ella Fitzgerald que, assim, o trabalho teria mais prazer.
Hora do rango e o cardápio das Nonas estava uma delícia. Feijão feito com banha e toucinho, arroz, ‘longaniça’ como dizia a Guelita naquele seu portunhol adaptado às duras penas, e chouriço fritos. Na hora de preparar meu prato a Guelita ainda fez questão de colocar cebola e alho bem picadinhos no fundo, depois o feijão, o arroz e um ovo estralado com a gema bem mole por cima, que era pra eu quebrar e espalhar.
Na hora do cafezinho com bolinho de chuva, chegaram o Lando, no seu Gordini, e o Miquim, de ônibus. O Miquim sempre resmungando que ninguém o entende, que fala as coisas e ninguém responde, só porque ele é velho. Veio com sua maleta de barbeiro, mas eu disse que não precisava. Agora, se ele quizesse dar uma podada na parreira de uva?
À tarde foi a vez dos jogos. Pebolim com o Lando que, sempre ao perder, dizia que era porque eu estava jogando com o Palmeiras e ele com o Santos. Pingue-pongue com o Alécio, que era mestre em pegar cortadas sem se afastar da mesa.
Quando o cansaço bateu, foi a vez de saborear um cachimbo com fumo aromático, junto com uma cachaça de alambique de Salesópolis.
A surpresa ficou por conta da chegada da Yolanda, se desculpando pelo atraso, afinal teve que percorrer mais de quatrocentos quilômetros. Estava toda elegante e perfumada, com um pacote de jabuticaba do seu quintal e um gatinho a tira-colo, o que fez com que tivesse de prender o Lost, para evitar que gato ao molho pardo fosse servido no jantar. Foi uma alegria ver o seu reencontro com os irmãos, principalmente o carinho com que o Alécio a abraçou e, sorrindo, mais uma vez disse: Inhó!
O dia foi acabando e, do mesmo modo que chegaram, foram indo sem pedir licença, não se sabe pra onde.
Cada um tinha ainda algo a dizer. O Velho Chico queria que eu pegasse o F-8 pra dar uma volta. Quando percebeu meu receio, não teve duvida, tascou um ‘Que é isso, moleque cagão de merda, sobe aí e dirige”. Com o Seu Wilson, combinamos uma nova pescaria de tartarugas marinhas no costão do Guaraú. Com o Lando um acampamento em Camburí. O Miquim me fez prometer que não esqueceria de leva-lo até São Bernardo para ver o processo de sua aposentadoria pelo Funrural. Dona Mariana e a Guelita me deram sua benção e mandaram eu ficar com Deus. A Yolanda cobrou uma visita de volta.
Por último, Seu Alécio. Perguntou que raio de curso de Yoga Tântrica era esse que eu estava fazendo, e ele pagando. Tentei explicar. Acho que não entendeu, mas disse que se era o que eu queria, pra ele estava bem.
Depois que todos foram embora e eu vim escrever essa homenagem, me lembrei que esqueci de dizer-lhes o quanto gostaria de ser um pouquinho igual a cada um, afinal, “quem puxa os seus, não degenera não”.
Bônus-frase: “Sempre odiei a realidade. Mas é o único lugar onde consigo obter um bife decente”. (Woody Allen)