quinta-feira, novembro 02, 2006

Recebendo Visitas

Hoje foi um dia movimentado aqui no cafofo. Eles foram chegando sem avisar e já abrindo a geladeira, porque são todos da casa.
O primeiro foi Seu Alécio. Logo cedo, entrou na quarto pra me acordar, e já deu uma bronca, de leve, porque tinha dormido com a porta da casa aberta. Fiz o café, que ele bebeu fazendo aquele barulhinho ao sorver, de quem não quer queimar a língua com bebida quente. Aproveitou pra me dar conselhos, mais alguns. Meio desanimado porque, sabia, eu sempre fazia o contrário.
Depois, estacionando o antigo caminhão F-8 na porta, desceu o Velho Chico e Dona Mariana. Ele vinha trazendo o acórdeon que me prometera, assim que soube do meu interesse em estudar música. Dona Mariana, depois de muitos beijos, já foi pra cozinha providenciar uns pasteizinhos de carne e queijo com tomate e orégano para o tira gosto.
E ficamos lá papeando. O clima esquentou quando os dois começaram a discutir quem seria rebaixado pra segunda divisão do brasileirão, o Palmeiras ou o Corinthians. Eu, apesar de palmeirense, nessas horas torço pro Juventus desde pequenininho, que não era besta de meter a colher entre os dois.
Perto da hora do almoço chegou a Guelita, com toda a sua alegria. Já foi ajustando os longos cabelos grisalhos num coque perfeito em cima da cabeça, colocando o avental, e ajudando Dona Mariana na cozinha, enquanto cantarolava e assobiava canções de Espanha.
Quando Seu Wilson chegou, o primeiro, eu, o Xará, já que apareci depois pra roubar sua menininha, estava terminando de pintar o portão, tarefa que ele logo se prontificou a ajudar. Só pediu que colocassemos um cd da Ella Fitzgerald que, assim, o trabalho teria mais prazer.
Hora do rango e o cardápio das Nonas estava uma delícia. Feijão feito com banha e toucinho, arroz, ‘longaniça’ como dizia a Guelita naquele seu portunhol adaptado às duras penas, e chouriço fritos. Na hora de preparar meu prato a Guelita ainda fez questão de colocar cebola e alho bem picadinhos no fundo, depois o feijão, o arroz e um ovo estralado com a gema bem mole por cima, que era pra eu quebrar e espalhar.
Na hora do cafezinho com bolinho de chuva, chegaram o Lando, no seu Gordini, e o Miquim, de ônibus. O Miquim sempre resmungando que ninguém o entende, que fala as coisas e ninguém responde, só porque ele é velho. Veio com sua maleta de barbeiro, mas eu disse que não precisava. Agora, se ele quizesse dar uma podada na parreira de uva?
À tarde foi a vez dos jogos. Pebolim com o Lando que, sempre ao perder, dizia que era porque eu estava jogando com o Palmeiras e ele com o Santos. Pingue-pongue com o Alécio, que era mestre em pegar cortadas sem se afastar da mesa.
Quando o cansaço bateu, foi a vez de saborear um cachimbo com fumo aromático, junto com uma cachaça de alambique de Salesópolis.
A surpresa ficou por conta da chegada da Yolanda, se desculpando pelo atraso, afinal teve que percorrer mais de quatrocentos quilômetros. Estava toda elegante e perfumada, com um pacote de jabuticaba do seu quintal e um gatinho a tira-colo, o que fez com que tivesse de prender o Lost, para evitar que gato ao molho pardo fosse servido no jantar. Foi uma alegria ver o seu reencontro com os irmãos, principalmente o carinho com que o Alécio a abraçou e, sorrindo, mais uma vez disse: Inhó!
O dia foi acabando e, do mesmo modo que chegaram, foram indo sem pedir licença, não se sabe pra onde.
Cada um tinha ainda algo a dizer. O Velho Chico queria que eu pegasse o F-8 pra dar uma volta. Quando percebeu meu receio, não teve duvida, tascou um ‘Que é isso, moleque cagão de merda, sobe aí e dirige”. Com o Seu Wilson, combinamos uma nova pescaria de tartarugas marinhas no costão do Guaraú. Com o Lando um acampamento em Camburí. O Miquim me fez prometer que não esqueceria de leva-lo até São Bernardo para ver o processo de sua aposentadoria pelo Funrural. Dona Mariana e a Guelita me deram sua benção e mandaram eu ficar com Deus. A Yolanda cobrou uma visita de volta.
Por último, Seu Alécio. Perguntou que raio de curso de Yoga Tântrica era esse que eu estava fazendo, e ele pagando. Tentei explicar. Acho que não entendeu, mas disse que se era o que eu queria, pra ele estava bem.
Depois que todos foram embora e eu vim escrever essa homenagem, me lembrei que esqueci de dizer-lhes o quanto gostaria de ser um pouquinho igual a cada um, afinal, “quem puxa os seus, não degenera não”.

Bônus-frase: “Sempre odiei a realidade. Mas é o único lugar onde consigo obter um bife decente”. (Woody Allen)

6 Comments:

At novembro 02, 2006 9:37 PM, Blogger Luz disse...

Primeiro: Vim agradecer-lhe a sugestão do filme "O Homem que não estava lá", vou procurar mesmo. Além de amar as películas a preto e branco, também fico fascinada com as fotografias, muitas vezes transcendem aquelas a cores.
Segundo: Este texto “Recebendo Visitas” é maravilhoso.
Não digo mais nada… quero ler tudo.
Até logo.

 
At novembro 03, 2006 9:09 AM, Blogger O Meu Jeito de Ser disse...

Puxa, que bela proteção heim?
Recebeu todas essas visitas ontem?
Bom, não sei voce, mas eu acredito realmente que eles continuam cuidando de nós.
Tem aqui, alguns personagens (reais) que eu não conheci, mas os que conheci, consegui ve-los, exatamente como voce descreveu. Foi fiel.
D. Mariana com seu jeitinho de vovó, são todas iguais né?
A Guelita, não conheci.
Parabéns, ficou ótimo.
Um abraço

 
At novembro 03, 2006 9:18 AM, Anonymous Anônimo disse...

É, nêgo véio, pegou pesadão hein? Foi uma das coisas mais bonitas que vc já descreveu. Fiquei feliz ao ler pois me sentí alí ao lado de cada um dêles, parece que estou escutando seu Chico falar do F-8. O Alécio veio no velho Mercury ou já estava com Corcel 73? Ah a Guelita e o Miquim, quanta saudades. Diz uma coisa: o Alécio não reclamou da gaiola dos passarinhos não? Muitas perguntas, né? Sabe, sentí a falta da tia Olga ela não veio? Pode que ainda esteja viva.
Amigo, fico imensamente feliz de ter vivido essa época e conhecido essas pessoas que fizeram parte de minha história pessoal por um período da minha vida. E posso afirmar com toda a certeza, foi o melhor período da minha vida, coisa que só descobrí há pouco tempo, o célebre: eu era feliz e não sabia.
Grande abraço para você.
PS: na próxima visita da turma, lembre de deixar meu abraço a êles, ok?

 
At novembro 03, 2006 1:23 PM, Anonymous Anônimo disse...

Luz, ainda devo-lhe a visita ao seu blog. Não esqueci não. Abraços.

Valter e Ana, foi o texto que senti maior prazer ao escrever.

 
At novembro 03, 2006 1:25 PM, Anonymous Anônimo disse...

Valter, esqueci, nesse caso quanto menos visitas melhor, né?

 
At novembro 03, 2006 4:07 PM, Anonymous Anônimo disse...

Puxa vida, deu vontade de estar lá, com vocês. Excelente texto.

 

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