quarta-feira, junho 28, 2006

Já que hoje não tem Copa

Juntando uma conversa com amigos com isso (quem diria hein Delfin?) e mais isso, acho que, após um casamento de, ou por interesses, está ocorrendo um preocupante divórcio entre a classe 'merdia' (obrigado Criss) e o povão beneficiário dos diversos 'bolsas' do governo. Estariamos involuindo?

quarta-feira, junho 21, 2006

Voto nulo

Há algumas semanas atrás meu filho perguntou em quem eu iria votar esse ano. Disse que ainda não havia decidido, e mudamos de assunto. Desde então tenho pensado que desperdicei uma boa oportunidade de discutir política com ele, jovem de 20 anos. Pensei: se eu, adulto 4.8, que sempre me considerei interessado e participante, estou assim, a alguns meses da eleição, que dirá ele, com preocupações bem maiores e diversas pela frente. Já que ele é leitor assíduo dessas mal traçadas, escrevo aqui o que gostaria ter conversado.
Hoje em dia é comum ouvirmos todos dizerem que estão ‘indignados’. Eu mesmo já devo ter caído nessa armadilha. Mas indignação, sem ação, não é nada. É um discurso vazio, se a única coisa que resultar for nos vestirmos todos de branco, e sairmos em passeata pela Paulista, pedindo paz, nesses dias de PCC.
A mesma coisa seria nos engajarmos nas diversas correntes que circulam pela Internet defendendo o voto nulo, com o qual também já flertei. Já recebi uns três e-mails onde descobriram que, se a maioria dos votos forem nulos, as eleições são canceladas, e uma nova eleição, com novos candidatos é convocada. Se pararmos para pensar, isso é uma babaquice.
Primeiro: os candidatos rejeitados são impedidos de concorrer por quatro anos, segundo a corrente recebida. Mas isso então significa que, na próxima eleição, estarão todos aí novamente. Além disso, quem garante que os novos candidatos serão melhores que os atuais? Reserva é reserva e, provavelmente, vai ter o rabo preso com algum dos titulares rejeitados. Se eu acreditasse na teoria da ‘conspiração cósmica’, diria que algum setor da oposição, numa tentativa já de desespero, é que está difundindo essa idéia do voto nulo.
A alternativa não é essa. O que tem que mudar é a mentalidade nossa como eleitor. Cada vez acredito mais que cada país tem o governo que merece. Explicando melhor: a qualidade de um governo vem a reboque, e nunca na frente, da capacidade de discernimento dos eleitores. Primeiro temos que ter consciência que nós é que elegemos os governos, para o bem e para o mal. Se o governo é corrupto, nós o elegemos. Atenção, não disse que nós é que somos corruptos. Nós é que não nos preocupamos em conhecer e, principalmente, acompanhar e cobrar idoneidade de quem votamos. O Jayme, do ‘Dito Assim...’ (link a sua direita) tem mostrado qual é a melhor postura. Nas últimas semanas enviou e-mail para a câmara dos deputados, cobrando um posicionamento quanto a um assunto específico: a retirada dos outdoors que emporcalham a cidade de São Paulo. Na última semana, enviou carta ao secretário da segurança pública, criticando sua postura, considerada inadequada em depoimento na câmara, sobre o terror vivido no estado no último mês, por conta da violência do crime organizado. E tem convidado todos os leitores de seu blog a acompanharem sua atitude.
É por aí que acharemos uma saída. Isso dá trabalho, mas, infelizmente, estamos longe de uma Suécia ou uma Bélgica, em que seus eleitores podem se dar ao luxo de dizerem: não me interesso por política, sem que isso afete, pelo menos no curto prazo, suas vidas diárias. Quem diz isso, aqui, está passando um atestado de alienação, e não tem o direito, depois, de se dizer indignado. Façamos a nossa parte. Dediquemos um tempo, diário, semanal, depende de cada um, para uma escolha consciente. Vamos discutir com outras pessoas que tem idéias divergentes (santa pluralidade, Batman!). Não sejamos sectários, pois direita ou esquerda, hoje, não tem a mesma relevância. O importante são as idéias. Por falar nisso, alguém viu ou ouviu alguma por aí, ultimamente? Se sim, me avisem por favor.
Depois da eleição, acompanhemos os eleitos. Deputado, senador, governante em geral, que não mantiver seus pensamentos e ações de forma clara na internet, por exemplo, não merecem os cargos que ocupam. Se não estivermos de acordo com o que estamos acompanhando, dá trabalho, eu sei, mas vamos a cobrança no ‘e-mail a e-mail’. Quem não responder, receberá nossa resposta na próxima. É assim que tem que funcionar o menos pior dos sistemas de governo.

domingo, junho 18, 2006

Diário de Viagem (capitulo único)

Resolvi escrever uma espécie de diário de viagem, um pouco para afastar o tédio e a solidão que essas viagens causam e, muito, por estar sentindo falta de você. Eu sei que escrever pra você não é a mesma coisa que estar com você, mas é o ‘real’ da situação.
São dez da noite do meu segundo dia aqui. Estou esperando a chegada do sono, e torço que ele venha antes que o cara do quarto ao lado comece a roncar, o que ele faz de maneira infernal.
Hoje cheguei a me irritar com a tremenda ignorância do povo aqui de União dos Palmares. E aqui é a terra em que Graciliano Ramos já foi prefeito. Não entendiam perguntas simples como: quantos rádios você tem em sua casa? Rádio? Como assim? Não, não é de comer, é de ouvir - dava vontade de dizer. Ah!? Radinho di pia? Tem só um..Cenas reais da zona da mata nordestina. Como será que meus colegas que foram para o sertão estão se saindo?
Falando em zona da mata, dá dó ver a paisagem em que está se transformando isso aqui. É só cana de açúcar pra tudo quanto é lado. O Pro-alcoól que o governo tanto alardeia como futuro do país. Mas essa agricultura extensiva numa região paupérrima como essa, será que é a melhor solução? Trabalho sazonal é o melhor caminho para fixar o homem e evitar a emigração? É muita pobreza, e nenhuma perspectiva de melhora. Você atravessa cidades e só vê cana por todo lado. E cidades do interior se inchando em proto-favelas na sua periferia. Aonde não nasce cana, não cresce nada, porque já é o sertão. O nordeste vai acabar servindo de celeiro para os carros que rodam no sul? Quem ganha com isso? Como queria ter as respostas. Mas me sinto impotente. Parece que cada cidade tem seu ‘coroné’, reverenciado por todos e tratado como um Messias salvador. É tudo muito triste. ENQUANTO ISSO NÃO FOR MUDADO, NÃO VEJO SOLUÇÃO. Dá vontade de deixar o trabalho de lado e fazer proselitismo. Dizer que existe um partido novo, o PT, com origens populares, que tem propostas para mudar essa situação. Mas sei que temos que ir devagar. O despertar das consciências é um processo lento e, que se não respeitado, pode gerar horrores piores do que os que já existem.
Essa viagem entra num ponto crítico. Aquele em que você ainda acha que falta muito pra ela terminar e, ao mesmo tempo, faz muito que começou.
Me sinto completamente estranho no ambiente. O meu biotipo é completamente diferente das pessoas do lugar, e olha que eu estou bem moreninho e, mesmo assim, um nativo se dirigiu a mim pra pedir a hora me chamando de GALEGO. Mas de qualquer forma, trafego pelas ruas sem nenhum receio e me sentindo, apesar de tudo, bem a vontade. A hospitalidade das pessoas ajuda muito. È difícil fazer uma entrevista no portão. A maioria convida a entrar e sentar. Mesmo porque, nem elas agüentam o sol daqui. Alias, a preguiça parece ser a marca registrada do nordestino. Não no mal sentido, mas como uma maneira de agüentar o calor. Simplesmente ficando sem fazer nada quando nada se tem para fazer, e estar sempre a sombra e, se possível, com o ventilador ligado. Se ventilador fosse item de classificação socioeconômica, o nordeste, estaria um classe acima nas pesquisas. Mas, não é. Preciso falar disso com os sociólogos (na verdade meros analistas de estatísticas) do Gallup.
Já consegui descolar um lugar pra tomar café da manhã onde servem vitaminas, e assim dispensar a café da pousada, onde me deparo com coisas estranhas feitas a base de milho e mandioca, totalmente alienígenas ao meu desjejum sulista. E um lugar pra almoçar um lanche, sem excesso de cuentro como aquele cachorro quente do quiosque em Maceió (que me virou o estômago), com um suco de frutas por apenas 70 cruzeiros. Aliás, os preços da comida aqui são bem maneiros, acho que vai dar pra voltar com algum. Só falta um lugar pra jantar, porque hoje comi uma buchada (de bode?) , novamente com o fantasma do cuentro a me rondar, mas nada de desesperador.
Acabo de adquirir meu último vício (acho!): gastei 500 paus no fliperama que é a única diversão que existe aqui na cidade.
Uma coisa que queria contar pra você: uma vez, ainda quando estava na faculdade, e namorava a Magali, o Sérgio me perguntou se eu estava preparado para passar longas temporadas longe dela, caso eu começasse a trabalhar em Geologia fora de São Paulo. Eu disse que, acho, que estava. Ele duvidava. Mais uma vez ele acertou. È realmente muito difícil. Devo assumir: o mais IMPORTANTE PRA MIM SÃO AS PESSOAS. O amor e não o trabalho. Ou melhor, qualquer trabalho deve levar em conta o espaço (e o tempo) que ele me dá pra curtir as pessoas que eu gosto, e não vice –versa. A folha acabou, o sono vem chegando e... eu quero você.

União dos Palmares, 22 de Setembro/1982.

sábado, junho 17, 2006

Blogueiro que desiste, existe?

“Puta arrependida e blogueiro que desiste
Tem uma coisa em comum: são pura ficção.”

Essa frase ouvi do Fernando Cals, no nosso encontro na Pinacoteca de São Paulo, junto com o Valter e a Ana.
Fiquei matutando e resolvi discordar. Conheço alguns que desistiram. Tem o ‘Smart Shade of Blue’, grande blogueiro com enorme sucesso, que de uma hora pra outra nos deixou na saudade e, agora, vagueia pelas caixas de comentários alheias. Tem um antigo, o ‘Rei Açucar’, que gostava muito, cara denso, de conteúdo, que de uma hora pra outra deixou de postar sem aviso algum. Tem a Claudia, que me visitou duas vezes na caixa de comentários, tinha um blog lindo, só de poesias, e que desapareceu do uolblog. Um outro que não lembro o nome (Reinaldo ou Reginaldo alguma coisa, de Goiás ou Mato Grossso, esses lados) que também deixou saudade. Isso daqueles que freqüentava, que dirá nessa imensidão internética. Não sei se são exceções que confirmam a regra, mas que existem existem. Não sei se em maior ou menor percentual que putas arrependidas, que também acho existirem.
Fiquei então pensando o que pode fazer um blogueiro desistir. Caixas de comentários vazias, decepções com a falta de entendimento dos leitores, ganhar na Mega Sena, ou encontrar mais o que fazer da vida, sei lá.
Achei então um motivo mais específico, que teria todos os ingredientes para fazer um blogueiro desistir. Seria o caso de um casal de blogueiros, cada um com seu blog particular, por exemplo, a Cynthia e o Nelson, a Mônica e o... como é mesmo o nome... ( ô memória), o Walter e a Ana, fora outros casais que assinam blogs conjuntos, que já visitei, mas não recordo os nomes. Hétero e Homo diversos.
E se algum desses casais se separassem (toc, toc, toc na madeira). No caso daqueles que tem blogs conjuntos, o blog entraria na partilha dos bens? Já seria um primeiro problema. Mas sem complicar muito, quero me ater aos casais com blogs individuais.
Nesse caso, a primeira coisa que ocorreria é, em geral, enquanto um deles tenta manter as aparências e seguir a vida como se nada tivesse acontecido, o outro(a) resolve contar tudo num post, ou numa série, longa e sofrida. Aí o outro lê (chega de parênteses para definir o gênero, outro pode ser ele ou ela, certo?), porque apesar da promessa de nunca mais visitar o blog alheio, logo vê que isso é impossível. Então resolve contar a sua versão dos fatos.
Aí começa a lavagem de roupa suja em público. Inicialmente os comentaristas, que eram comuns e, vários deles amigos do casal, tentam botar panos quentes, mas com o passar do tempo, e dos argumentos de cada lado, algumas dissidências vão se verificando. Aquela comentarista nova, do blog do cara, que ele estava ficando interessado (homem é tudo cafajeste), toma partido e fica do lado dela, ou seja, desaparece dos comments dele. Pode por um vice-versa, porque mulher nem sempre é solidária.
Outra complicação: você fica trombando com o desafeto nas caixas de comentários dos blogs preferidos, e isso incomoda a ponto de começarem cada um a procurar a sua panelinha exclusiva. Mas como esse mundo bloguístico é pequeno, até aquele blog novo que um cultivava como exclusivo, acaba sendo descoberto. Adivinha por quem?
Aquela liberdade de falar de tudo e de todos começa a passar pela auto-censura:o que será que o outro vai pensar se ler isso?
Até que, tragédia das tragédias, alguém coloca um post falando do novo amor, com fotos inclusive.
Aí, quem ainda está a ver navios começa a pensar na alternativa final: o bloguicídio. Prepara um texto de despedida, coloca toda amargura e sofrimento em palavras... e manda publicar.
Em seguida, levanta-se, serve-se de uma bebida, que sorve vagarosamente.
Retorna ao computador. Chama o hospedeiro, vai até as configurações e olha pro botão que tantas vezes o seduziu.
//Excluir Blog?//. Dá um último gole, e... sim! .
Enquanto aguarda a confirmação do seu desatino, lembra do post, não salvo, em que descreve a melhor técnica de fritar um ovo, deixando a gema mole, e retira-lo de uma frigideira de fundo antiaderente de má qualidade, sem romper a gema. Um clássico da narrativa descritiva. Perdida, para sempre. E aquele outro que ensinava a melhor maneira de limpar a bunda após uma cagada, pra não deixar áspero, quando não temos água e chuveiro à mão. Recebeu até um comentário agradecido de famoso blogueiro, durante sua estadia em New Orleans (pré Katrina). Já sente saudades!
//Confirma exclusão?// Pôrra! Ainda vivo?! É claro que confirmo!

No dia seguinte, os arquivos do servidor registram um comments reconciliador. Mas
ninguém leu... ninguém respondeu.

quarta-feira, junho 14, 2006

Aproveitando que a internet linha discada aqui em Jarinú resolveu funcionar, deixa eu postar alguma coisa direta e rápidamente, antes que a conexão caia ou meu saco estoure aguardando o tempo de resposta.

É melhor premiar, elogiar ou dar prazer
Do que criticar, maltratar, ferir ou intimidar.
Skinner

Bom, agora deixa eu preparar um algo mais elaborado, e sabe-se lá quando vou conseguir postar novamente.

quinta-feira, junho 08, 2006

Um post antigo e especial

O texto a seguir foi um post que salvei a uns dois anos atrás quando comecei a me maravilhar com o mundo (leia-se, as pessoas) dos blogs. Portanto, é mais fácil cola-lo aqui do que achar o link. Leiam e depois eu comento.

Quem Não Lê Não é Humano
ALEXANDRE SOARES SILVA
Alguns anos atrás (calhou de ser alguns anos atrás, mas poderia ter sido ontem, amanhã) vi na esquina da minha casa alguns operários descansando. Eles estavam sentados na grama, sem comer, sem conversar. Como é uma rua quieta, não podiam nem se distrair vendo carros ou pessoas. Olhavam, acho, o muro de tijolos do outro lado da rua, ou talvez alguma rachadura tortuosa na calçada. Estavam assim quando desci a rua no caminho do supermercado, e continuavam assim quando voltei com uma sacolinha na mão. Quando passei andando, olharam fixo pra mim; e eu não os culpo, porque a minha passagem, em contraste com o muro e a rachadura, deve ter tido para eles a importância cerebral que a obra de Aristóteles teve para Santo Tomás. (Um ser humano se mexendo! Óia! O que será que ele tem na sacola, etc.)
Quem não lê está condenado a estar preso num lugar só. Eles não liam, e por isso eram forçados a ficar ali naquela esquina olhando o asfalto. Dez minutos, quinze, meia-hora. Se estivessem lendo, poderiam sair dali, ir para a Samotrácia; mas não liam, e estavam ali, com uma atividade mental provavelmente parecida com a da grama na qual estavam sentados. Quando passei, e o deslocamento do meu corpo criou uma brisa, a atividade mental deles talvez tenha subido drasticamente para o nível de um dente-de-leão sendo despedaçado pelo vento. Mas isso é tudo.
"Ah, Alexandre, que feio, fazendo gozação com os menos favorecidos". Bom, estou fazendo gozação agora, e confesso que acho as classes iletradas (às quais pertencem Jeca Tatu, Popó, Gugu Liberato e Moisés Safra) um tanto engraçadas. Mas na hora fiquei horrorizado. Percebi o que é ser iletrado: é ser forçado a estar onde se está e na companhia em que se está. Como um cupim. Como uma drosophyla melanogaster olhando para uma banana. Como um jogador de futebol olhando para a capa de um livro de auto-ajuda, ou um sindicalista tentando ler Karl Marx.
Quem não lê, no entanto, geralmente se sente superior a quem lê. Se sente mais prático, mais direto. "Me formei na escola da vida". "Não tenho tempo para essas coisas. Trabalho muito. Quando pego um livro pra ler, sinto sono". A sensação que tenho, quando vejo alguém que se sente orgulhoso de não ler, é a que eu teria se fosse convidado para jantar na casa de alguém e, de repente, o anfitrião me mostrasse todo orgulhoso o próprio pênis guardado numa caixinha. "Não tenho tempo pra essas coisas, então mandei remover. Quando tentava usar, pegava no sono". Bom, só posso pensar- azar o seu. Grande parte do prazer da sua vida foi embora.
Mas não me basta dizer que quem não lê é uma espécie de castrado; meu ponto é que ele é um boi castrado. Que pertence a outra espécie. Que uma pessoa assim está para Oscar Wilde como um pé de milho está para um macaco.Está bem, imagine o seguinte: alguém acabou de entrar num clube que existe, digamos, desde a década de cinqüenta. Ele está entrando no salão onde todos os membros estão reunidos. São cerca de cem membros, e estão de pé conversando, em grupos. O novo membro não conhece ninguém; mas digamos que é uma dessas pessoas sociáveis e práticas, e em dez minutos já se apresentou a uns vinte membros, e já guardou o nome de uns dez.
Meu ponto é este: que ele não sabe nada da história do clube. Não sabe que aquele velhinho ali era amigo do fundador (alguns dizem, até, amante); que aqueles dois homens de costas um para o outro brigaram feio na década de setenta, dividindo o clube em dois grupos, que existem até hoje; que a antiga sede era na casa daquela mulher gorda; que em cima daquela mesa (é o que se diz) foi concebido o membro número 96. Se lesse todas as atas do clube, o novo membro saberia disso. Mas, pelo fato de não ter lido, e de não saber nada sobre a história prévia do clube e as correntes invisíveis de amizades e hostilidades que circulam por ali, o novo membro é necessariamente menos membro do clube do que os outros.
Assim no caso do clube, assim no caso do clube mais vasto chamado humanidade. É um clube antigo- o que é mais um motivo para ler as atas. Quem não leu é menos membro do que quem leu. Talvez nem sequer seja membro. Claro, deve ser bem-tratado; que se sente e converse com todo mundo, e em nenhum momento seja humilhado. Mas não é bem um dos nossos, é? E talvez se sentisse mais à vontade – digamos – no clube do pebolim?
Objeção

Mas, pô, Alexandre, você não vê que isso é o que os totalitarismos sempre fizeram- escolher um grupo qualquer e dizer que eles não são humanos, e que portanto podemos fazer o que quisermos com eles?
Resposta

Bom, mas quem é que disse que humanos podem fazer o que quiserem com não-humanos? Quanto a mim, sou definitivamente a favor do anti-vivisseccionismo - que é a doutrina, um tanto fora de moda, de que aqueles que são mais desenvolvidos intelectualmente têm que defender os menos desenvolvidos, e nunca o contrário. Cabe a um anjo, por exemplo, defender um homem; um homem que quisesse defender um anjo estaria cometendo um tremendo faux pas. Esse é um princípio universal, pura e simplesmente - adultos têm que tomar conta de crianças, e se preciso têm também que se sacrificar por elas- e não o contrário. Estendendo esse princípio aos animais: sou definitivamente contra que se façam experiências médicas no José Luis Datena para o benefício da espécie humana; temos obrigação de usarmos nossa inteligência para cuidar dele, e não para fazê-lo sofrer.
Só mais uma coisa, para que não pensem que estou falando de pobres. Não estou falando de pobres. Estou falando de iletrados. Isso inclui a maioria dos ricos do país. Executivos, de modo geral, são como os operários do início deste texto, mas com a seguinte diferença: a rachadura tortuosa na calçada recebeu o nome de Nasdaq, ou de Projeção de Custos para o Segundo Trimestre. Mas a falta de intelectualidade é a mesma.
Ser humano, ao contrário de ser uma joaninha, é uma aquisição cultural. Para ser uma joaninha, basta nascer no corpo de uma joaninha. Mas para ser humano, não basta nascer num corpo humano - como provam os casos de todos esses exemplares de homo ferus que foram criados por lobos ou jaguatiricas. É preciso ler.
Objeção

Você está querendo dizer que a minha avozinha italiana analfabeta, que veio toda miudinha e cheia de garra ganhar a vida no Brasil, não era humana?RespostaÉ. Exatamente.

Eu achei sensacional. Primeiro o assunto, o conteúdo, assino embaixo sem restrições.
Agora quanto a forma. Como o cara escreve bem, muito bem. Tem imaginação (os operários olhando o muro ou as rachaduras da calçada, a humanidade como um grande clube em que sempre chegam novos sócios, vamos ler as atas das reuniões passadas), é radical (Percebi o que é ser iletrado: é ser forçado a estar onde se está e na companhia em que se está. Como um cupim. Como uma drosophyla melanogaster olhando para uma banana. Como um jogador de futebol olhando para a capa de um livro de auto-ajuda, ou um sindicalista tentando ler Karl Marx). Tem humor (o anfitrião que mostra orgulhoso o próprio pênis guardado numa caixinha. "Não tenho tempo pra essas coisas, então mandei remover"), tem ironia e cinismo, quem não gosta? (Você está querendo dizer que a minha avozinha italiana analfabeta, que veio toda miudinha e cheia de garra ganhar a vida no Brasil, não era humana? É. Exatamente). Tem até poesia (Ser humano, ao contrário de ser uma joaninha, é uma aquisição cultural).
Mas acredito que tem muita gente que fica horrorizada ao ler esse texto. Porque?
É um texto contundente. Sem medo de agredir, desde que consiga passar sua mensagem de forma completa e inapelável. Quantos textos semelhantes, falando sobre o mesmo assunto nós já vimos durante nossa vida. Acredito que diversos, mas nenhum com essa pegada virulenta. Quando se tem certeza do valor de uma idéia, muitas vezes a melhor forma de defende-la é pelos excessos. Danem-se as almas sensíveis.
Outra coisa. O cara é famoso na blogsfera, mas igualmente odiado por muitos, talvez por pertencer a um grupo caracterizado como sendo de direita (os wunderblogs). Parece que todos, do grupo, moram com os pais, ou pelo menos com a mãe, e são fãs ardorosos de toddynho. E daí? Ser de direita, originariamente significava ficar, geograficamente, desse lado da mesa diretora, ou algo parecido, na câmara dos lordes de Londres, para defender o status quo da época, enquanto que os reformadores, atendendo as demandas de uma sociedade de massa que se formava, ficavam do outro lado. No inicio era apenas isso. Por esse prisma, hoje em dia o PT é conservador, e o resto do país é de esquerda pois todos parecem querer ‘reformas’. Muito irônico isso. A inteligência não é privilegio de grupos ideológicos, pelo menos dessa fase acho que estamos livres. O que me interessa é a obra da pessoa. Se o cara se dispõe a ser escritor e o faz bem, com certeza vou procurar ler sua obra. Se vai fazer minha cabeça ou não é outra história. Mas não vou deixar de usufruir o prazer da sua leitura por preconceitos. E esse texto não é caso isolado. Entrem no blog do cara pra conferir. Muitos vão acha-lo elitista, dandi, blasé, etc. Mas, com certeza, eu gostaria de escrever como ele. E gostaria que meus amigos de esquerda, seja lá o que isso significa nos dias de hoje, também o fizessem.

quarta-feira, junho 07, 2006

Só Deus Salva!

Irmãos, permitam-me dar um testemunho. Estava eu, no meu chatô em Jarinú, saboreando um delicioso contra a cavalo, com a TV ligada no ‘Jornal da Gazeta’ quando, ao término deste, vejo que se inicia um programa de produção independente chamado "Saindo do Vermelho", com a devida ressalva da emissora que o conteúdo e as opiniões expressas são de inteira responsabilidade da produtora, que com certeza deve estar pagando o aluguel do horário em dia.
Como, além do controle remoto estar longe, eu, na minha humilde condição de dois mil reais devedor no cheque especial, achei por bem assistir o programa.
Que se iniciou com uma reportagem denúncia sobre o comércio paralelo de alvarás de licença para taxistas, já que a prefeitura de São Paulo, por estimar que a quantidade de táxis da cidade já é suficiente, há doze anos não emite alvarás novos. A reportagem contava até com câmeras ocultas para flagrar os detalhes da operação. Termina com a denúncia de um tal de Santana que lesou ‘trocentas’ pessoas com alvarás falsos.
Foi aí que houve um corte para o estúdio onde um ‘pastor’ pega a reportagem como gancho para o depoimento... de uma taxista lesada? Não! Nada a ver com a reportagem. Era uma mulher que era funcionária de um banco multinacional, ganhando bem, casada com um cara que tinha um ‘negócio’ de fabricação de bolsas mas que tava mal das pernas. Aí para ajudar o marido ela resolve pedir para ser mandada embora para, com a indenização, salvar o marido. Pergunta o ‘pastor’: Mas a senhora já tinha Deus no coração naquela época? Não pastor, não tinha. E então o que aconteceu? Ah! Se eu contar ninguém vai acreditar. O dinheiro que recebi da indenização sumiu entre meus dedos. Não paguei as dividas do meu marido, não fiz nada com ele. Pensei, incauto, que o ‘pastor’ iria perguntar: ‘Mas, minha filha, o que você fez com o dinheiro?’ No entanto, o que se seguiu foi ela continuar falando, livre, leve, solta: ‘nada dava certo, fomos decaindo cada vez mais, as dividas só aumentavam, até que um dia, já passando fome, descobrimos a sua igreja e a ‘Vigília da fartura dos 318 pastores’, toda segunda-feira no Templo Maior em Santo Amaro. Aí tudo mudou e, hoje temos nossa casa, nossos filhos estudam em escola particular, como era nosso sonho, e somos muito felizes’. Agora o pastor intervém: ‘Tudo isso graças a quê, minha senhora?’ ‘Por ter encontrado Deus, ‘pastor’! Hoje trabalho com meu marido no ‘negócio de bolsas’ e, nosso maior concorrente é a China, mas nossos clientes dizem que dão preferência pra nós, porque temos Deus no coração.’ Parênteses meu: não deixem essa história chegar até Pequim. Já pensou se o chineses descobrem que o que atrapalha a concorrência deles é a Igreja Universal, e se convertem? Aí é que ninguém segura os discípulos do velho Mao.
Mas como um depoimento só não basta, em seguida veio um empresário, entrevistado por uma loura gostosa (OH! Perdão God! A loura era totalmente irrelevante na matéria, apenas eu, com minha mente pagã, é que prestei atenção nesse detalhe), com o mesmo tipo de depoimento. Depois de quinze anos com a empresa indo bem, de repente, não mais que de repente, estava a beira da falência, sendo salvo, adivinhem por quem?
Bom a essa altura estava pensando que o ‘filé’ da salvação devia ser dado nessa tal ‘vigília’, onde deveriam comparecer os mais renomados economistas, tipo Gustavo Franco João Sayad, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, Tiago Ferraz, etc, todos devidamente psicografados por Celso Furtado, (ops! acho que psicografia não tem na Universal, e essa miscelânea de economistas não ia mesmo dar muito certo, mas deve ter algo parecido), onde seriam fornecidos os detalhes dos procedimentos para todos ‘sairem do vermelho’. Reza o bom marketing que ninguém deve entregar o ouro logo de cara, não antes de ‘passar a sacolinha’.
Para o programa não ficar muito monótono, o ‘pastor’ anunciou um trecho do filme ‘José no Egito’. Era a parte em que José pedia ao faraó para contar-lhe seus sonhos, que Deus o interpretaria através dele. O Faraó então contou que nos seus sonhos ele via sete vacas gordas a beira do Nilo. Mas em seguida apareciam sete vacas magras saindo das águas do rio, e que essas vacas magras comiam as vacas gordas mas, inexplicavelmente, continuavam magras. Interpretação de Deus, ghostwriter José: O Egito terá sete anos de vacas gordas, seguidos de sete anos de vacas magras. Conclusão do Faraó, circunspecto: O homem não é nada! A deixa para o ‘pastor’ emendar, triunfante: ‘Realmente, o homem sem Deus... não é nada!’.
Segue-se mais um depoimento de outro empresário, na mesma linha, enfatizando: ‘Meu problema era a falta de Deus. Tudo que consegui, depois, foi porque Deus abençoou’.
Fim do programa ‘Saindo do Vermelho’ e anuncio da próxima atração: ‘Sessão do Descarrego’.
Ia ficar para assistir, pois estava totalmente perplexoinside, mas algo de estranho deve ter acontecido com meu estomago. Com certeza o bife não era proveniente de um ‘cordeiro de deus’, e tive que ir correndo para o banheiro empreender outro tipo de descarrego.
Mas nada que impeça minha presença na próxima segunda no tal Templo Maior. Quem quiser me conhecer é fácil. Tenho quarenta e oito anos, olhos azuis, cabelo e barba grisalhas e, pra facilitar a identificação, estarei com um cajado de oliveira, túnica bege e sandálias de couro de bode, que de ovelha está difícil de achar.

Free Web Counters
Website Counters
eXTReMe Tracker