quarta-feira, maio 24, 2006

Sobre cães e gatos


Essa bela cachorra aí ao lado adorava uma rua e, com a mesma intensidade, detestava gatos.
Na época do fato que vou contar, já tinha em seu currículo dois gatos abatidos.
Um deles, infelizmente, tive o desprazer de presenciar o momento em que ela o pegou. Quando tentei me aproximar pra ver o que podia fazer pra salvar o pobre bichano, fui recebido com um olhar e um rosnado, acompanhado do arreganhar dos dentes, que me fez recuar e, nos poucos momentos que tirei pra pensar em algo, foram o suficientes pra ela, apenas apertando com os dentes a garganta do bichano, deixar claro que nada mais havia a fazer. Nem um som, nem uma gota de sangue. É duro, mas tive que reconhecer, um serviço perfeito. Como era apenas um exercício de instintos primais, assim que se certificou do sucesso da empreitada, largou a presa e foi pro seu canto beber água.
Mas vamos para coisas mais amenas. Era um sábado à tarde ensolarado quando abri a porta lateral da casa, me preparando para sair e deixei que ela também desse uma saidinha pra parte da frente da casa a fim de olhar e trocar umas cheiradas com os cachorros da rua. Infelizmente não percebi que o portão não estava trancado, mas apenas encostado. Rapidamente, com o focinho, ela afastou a parte móvel e ganhou a liberdade. Como não era a primeira vez que isso acontecia, voltei pra dentro pra pegar a guia, sem a qual não conseguiria traze-la de volta. Saí, já armado de muita paciência, porque iria começar seu jogo predileto de deixar eu me aproximar, para então sair correndo, pois sabia das minhas intenções. E assim, fomos descendo a rua, eu esperando o momento que alguma coisa a distraísse o suficiente para me aproximar o bastante e colocar a guia. Andamos cerca de quatro quadras, até chegar ao fim da rua, quando, então, ela optou por virar à esquerda, e eu atrás, procurando não perder contato. Mais uma quadra e ela para em frente a um terreno onde existem umas quadras de futebol society, e ficou numa posição que me gelou. Exatamente aquela que antecede um ataque. Imobilidade absoluta, pelos eriçados, corpo ereto. Tentei chamar, mas já sabia que seria em vão. Toda sua atenção estava focada no alvo. De repente, o arranque pra dentro do terreno. Ai não teve outro jeito a não ser correr atrás.
Quando cheguei na frente do local, só deu tempo de ver ela correndo atrás do felino, que entrou numa casa que ficava a esquerda do zelador do empreendimento, que estava, com sua família, confortavelmente na sala, vendo o programa Raul Gil (lembro bem disso). Agora imaginem o susto deles vendo uma gato e um cão em tresloucada correria por entre os móveis da casa. Só deu pra ouvir uma cadeira da cozinha caindo e os gritos da mulher e de duas crianças. Felizmente o gato resolveu sair de volta pra fora e, atrás dele, ela e todo mundo da casa, tendo a frente o chefe que ao me ver parado, provavelmente com cara ‘de tacho’ como se diz na família, rangeu entre dentes: Se essa cachorra fizer alguma coisa pra minha gata, que está grávida, eu mato ela. Tentei ser prático e, em vez de desculpas, pedi que me ajudasse. Mas não há muito o que fazer quando esse bichos estão na correria, a não ser torcer para que a gata conseguisse um jeito de se esconder. E foi o que aconteceu quando ela entrou num cano, acho que de águas pluviais, que tinha o tamanho exato para gatos, mas não para a cachorra, que se postou no bocal e enfiou a cabeça e o pescoço, mas daí não passava.
Situações limite exigem que algum limite seja superado. A essa altura, já havia uma considerável platéia, formada pelos jogadores da quadra mais próxima se divertindo e esperando o próximo lance. Vi que eu era a bola da vez. Era preciso agir. Avancei para o local onde ocorria o tete-a-tete decidido a tira-la, já me preparando para uma eventual mordida, que nessas horas acho que ela não ia saber muito bem quem a estava afastando da sua caça. Me joguei em cima dela, puxando-a pelo peito e já berrando no seu ouvido um sonoro QUIETA. Quando vi que tinha sido reconhecido, agarrei-a bem firme, consegui colocar a guia e tira-la da frente do cano, sob aplausos de uns e vaias de outros na platéia. Parece que já se estava formando um balcãozinho de apostas sobre o final da estória.
Agora, quem dizia que a gata saia lá de dentro, coitada. Fui pedir desculpas pro cara, enquanto sua mulher e as crianças tentavam tirar a assustada gata de dentro do cano. Ele ainda vociferou que se perde-se a ninhada eu ia ter que pagar os prejuízos. Não sei quais seriam, mas de qualquer forma deixei meu telefone para que me procurassem caso tivessem alguma despesa em função do ocorrido. Como não tive retorno, até hoje, acho que tudo correu bem.
Todo esse post está no passado, porque, infelizmente, ela desapareceu a cerca de dois anos. Mais uma vez um portão descuidado e uma saída, dessa vez sem que ninguém percebesse. Só espero que, onde quer que esteja, esteja bem. Saudades, Ive.

quarta-feira, maio 17, 2006

Errata

Os links do post anterior eram para artigos da Folha de São Paulo, que não estão disponíveis para não assinantes. Segue, então, a integra dos textos linkados.


Pânico no galinheiro
DEMÉTRIO MAGNOLI

O PCC deflagrou ontem a guerra da informação. Existiram, aqui e ali, disparos reais, mas sobretudo os bandidos dispararam aleatoriamente chamadas telefônicas ameaçadoras. BUUU! A cidade de São Paulo reagiu como um imenso galinheiro. Rumores correram soltos, desatando reações em cadeia. Sob o influxo do boato, comerciantes baixaram portas de aço, pais assustados correram às escolas para resgatar as crianças e empresas suspenderam o serviço. De um bairro a outro, a cidade apagou-se ao longo da tarde.Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegóvina, não renunciou à vida, nem sob sítio e debaixo das rajadas de franco-atiradores. Os mercados de Bagdá funcionaram em meio aos estrondos das bombas e mísseis dos ataques norte-americanos. Londres não parou durante os bombardeios aéreos alemães, na Segunda Guerra Mundial. Mas São Paulo curvou-se à delinqüência comum. Vergonha!A culpa é dos governantes? Sempre, em primeiro lugar, a culpa é deles. Atônitas, cercadas por numerosas assessorias inúteis, as autoridades estaduais e federais entregaram-se desde domingo ao jogo eleitoral, elaborando declarações maliciosas sobre seus adversários. Mas esses especialistas na baixa política não foram capazes de identificar o sentido da operação do PCC e, na prática, renunciaram a governar.Na hora da primeira série de ataques coordenados, o governo do Estado de São Paulo tinha a obrigação de centralizar as forças policiais em um comando único de emergência. Em vez disso, talvez inspirado nas ações dos comandantes do Exército que, no Rio de Janeiro, firmaram um acordo fétido com o Comando Vermelho, ele preferiu iniciar negociações sigilosas com os chefes da delinqüência.De nada servem um governador e um secretário da Segurança impotentes diante de uma guerra de rumores. Ontem, enquanto os cidadãos se acovardavam, os boletins de notícias desempenhavam involuntariamente o papel destinado a eles no planejamento dos bandidos. Mas não passou pela cabeça vazia das autoridades o recurso elementar de, usando a legislação disponível, colocar a TV e o rádio em rede oficial, por todo o tempo necessário, a fim de desfazer a boataria, chamar as pessoas à razão e impedir o cancelamento da vida normal.A culpa é só dos governantes? Não, mil vezes não! São Paulo conheceu ontem os efeitos psicológicos da indústria do medo. A classe média que não deixa os seus filhos circularem de ônibus e metrô, que se cerca de câmeras e alarmes, que passeia apenas em shopping centers e aspira comprar um automóvel blindado correu na direção de seus bunkers domésticos murmurando tolices sobre a pena de morte. No começo da noite, um manto de silêncio desceu sobre a cidade. Vergonha!

A praça não é nossa
CLÓVIS ROSSI
ESTRASBURGO - É noite de domingo em Estrasburgo. Quer dizer, deveria ser noite, porque o sino da fenomenal catedral gótica da cidade já faz algum tempinho que tocou as oito horas. Mas ainda está claro, muito claro, o céu é límpido, e a place Kléber, a principal de Estrasburgo, está cheia de gente sentada às mesinhas de calçada. Esclareça-se que toda a praça é um calçadão.No hotel, zapeio pelos canais internacionais. A CNN mostra São Paulo transformada em Bagdá (menos destruída fisicamente, mas, ao fim e ao cabo, Bagdá pela quantidade de atentados praticados contra forças policiais). Mudo para a TV alemã. Não entendo nada, mas é de novo a São Paulo/Bagdá.Na TV francesa, na TV italiana, na espanhola, na BBC, idem. Só não conferi a Al Jazeera, porque aí seria uma ironia mortal.Volto à place Kléber com uma imensa sensação de derrota.Sinto-me agredido pela placidez dos comensais da praça. Começo a torcer para que um PCC local faça um arrastão, assalte todos eles, leve embora as bicicletas, até elas agressivas pelo silêncio ensurdecedor na comparação com o ruído infernal dos carros "lá bas".Nada disso acontece. No máximo, dois adolescentes, cheios de piercings, de garrafa na mão, passam falando alto. Eu me assusto de todo modo, mas os locais não dão a menor bola. Nem lhes passa pela cabeça que possam ser algo mais que bêbados.Não aparece nem mesmo um pedinte, um menino triste e pobre para dizer: "Oncle, me dá algum aí". Ou uma senhora de olhos amargurados pela dureza da vida vendendo flores para sustentar os filhos. Nada.O sino da catedral dá as nove horas, o som parece reverberar até o fim do mundo, até o fim dos tempos, mas a noite ainda demora meia hora para chegar. As gentes de Estrasburgo continuam a passear até pelas ruazinhas estreitas que, em São Paulo, seriam sinônimo de emboscada.Por que eles têm direito à sua praça e eu, você, nós, não?

terça-feira, maio 16, 2006

Pânico no galinheiro

Se você está com pouco tempo, ou saco, para leitura desse blog, então recomendo que vá direto aqui onde, humildemente, tirei o título do post, e aqui onde, se souber, me responda a pergunta que finaliza o texto.
Se por sua conta e risco resolveu seguir em frente, então, gostaria de falar sobre o que aconteceu ontem no Brasil. Sim, porque espero que ninguém acredite que os desdobramentos dos fatos ficarão circunscritos apenas a São Paulo.
Gostaria de começar com uma analogia. Quem já teve cachorro de grande porte, um pastor, um rotweiler, um fila, já deve ter percebido o porque esses animais te obedecem. Apenas por dois motivos, interligados. Primeiro porque não tem conhecimento da sua força superior e, segundo, porque nunca perceberam que você pode vir a ter medo deles. Respeitam a sua liderança na matilha, pra eles você é o líder e, portanto, se submetem.
O que aconteceu ontem foi além do que a bandidagem esperava provocar. Uma cidade de 18 milhões de habitantes, praticamente se recolheu às suas casas, com base em apenas boatos de um suposto ‘toque de recolher’. Foi dada a eles a inconteste sensação de um poder que agora vai ser difícil retirar. Já estou vendo o flanelinha que vem se oferecer pra guardar seu carro ou limpar seu parabrisa dar aquele sorrizinho maroto quando você recusar o ‘selviço’ e dizendo: “Ô chefia, mas eu sou associado do PCC, tem certeza que não vai querer?”
Dois fatos presenciados pessoalmente. Na empresa em que trabalho dois diretores de divisão (lá chamada de cluster, porque é uma empresa de Tecnologia da Informação e, portanto, fica bem ter seu organograma em inglês) reuniram as equipes para, acertadamente, pedir que não propagássemos boatos, mas ao mesmo tempo ordenando que ninguém fizesse hora extra e, quem tivesse plantão, o fizesse a partir de suas casas. Ou seja, para eles, seria verídico a existência do toque de recolher. E mais, na parte da tarde, as portas que dão acesso a frente do prédio, onde funciona o chamado ‘fumódromo’, local permitido aos fumantes, foi fechada e disponibilizada uma área nos fundos do prédio para os adeptos da nicotina. O outro: quando cheguei em Jarinú, onde resido, cidade pacata a 70 km da capital, e me dirigi ao restaurante onde costumo jantar, verifiquei que estava fechado, bem como o posto de gasolina ao lado. Me dirigi ao centro da cidade para procurar uma outra alternativa e vi que estava tudo fechado e deserto. Concluí que realmente deveria haver o tal toque de recolher. Chegando em casa liguei a tv, coisa que raramente faço, e preparei uns nuggets de frango e um omelete de ovo-com-ovo que era tudo que tinha disponível. Foi aí que vi que não havia toque de recolher nenhum, ao contrário, o transito ainda estava caótico.
É claro, não quero dizer que não havia motivos para preocupação. Uma mãe que sai para o trabalho e ouve dizer que delegacias estão sendo alvo de tiros, e se lembra que a escola de seu filho fica ao lado de uma delas (triste ironia, a escola foi escolhida porque estava em área com maior segurança), tem obrigação de ao menos tentar saber que providências a escola estava tomando para garantir a segurança das crianças e, no limite, levantar a bunda da cadeira e ir lá retirar seu filho. Mas o espanto foi a reação generalizada das pessoas, de passar recibo do medo que estavam sentindo, que é legítimo, mas, aí está a questão, deveria ser auto-controlado.
Quanto a atitude dos governantes de plantão, mais uma vez foi decepcionante. A começar uma declaração de Lula dizendo que ‘quando não investimos em educação, temos que investir em segurança’, está certa conceitualmente, mas foi proferida em hora extremamente imprópria. O governador de São Paulo ao explicitar que agradecia mas dispensava ajuda federal, e de um tal chefe da Policia Militar, que surgiu num reluzente agasalho da corporação, dizendo que a Guarda Nacional oferecida era uma ficção, que só existia no papel, devem ter feito os bandidos rolarem de rir. Haja falta de sensibilidade.
Será que nenhum deles percebeu que estavam diante de uma QUESTÃO DE ESTADO?
Que todos os esforços deveriam ser para mostrar união de objetivos, acima de questões político-partidárias-eleitoreiras? E a mídia também falhou. Entrei no site do UOL em busca de confirmações para os boatos e não achei nada, pelo menos em letras garrafais e com luzinhas piscando. Agimos, todos, como manada desorientada, fugindo do matadouro.
Como sou otimista incorrigível, espero que algumas lições tenham sido aprendidas. Pelo menos para descobrir algum caminho alternativo para casa, e a manter provisões no lar para situações de emergência. Boa noite!

sábado, maio 13, 2006

Vertigem

Gostaria de não usar essas muletas
Uma entre os dedos da mão esquerda
Outra suspensa na mão direita
E poder te sorrir com a mente livre e sã
Mas a saudade não deixa

Olhar o céu estrelado
Na noite de lua cheia
Com seu brilho refletido na água
Através das ondas artificiais
Imagem romântico-erótica preferida
Mas a inveja dilacera

Então... me aquieto
Observo o rio que corre lento
No trópico em Paris
Aprisiono o momento
Debaixo daquele céu
Que me protege
Simplifico meu desejo
Pra me libertar da humana servidão
Vagabundo, guardo o mundo em mim
Reflito... adormeço
Não sonho
Soluço
Só isso

segunda-feira, maio 08, 2006

TETA

Inaugurando uma nova faceta desse blog, a de guia cultural, gostaria de recomendar um jazz bar chamado TETA. Fica na Cardeal Arcoverde, após a Henrique Schumann. A primeira vez que ouvi falar foi na sua inauguração, a mais de tres anos atrás. Foi quando fiquei sabendo que lá estava dando uma canja o lendário Lanny Gordin, guitarista que surgiu na época da Tropicália, na esteira do sucesso do LP Gal Fatal (ao vivo). Foi considerado o Hendrix nacional, com sua guitarra extremamente criativa e demente, a serviço da antropofagia tropicalista, que misturava rock, Lupicínio Rodrigues (sem guitarra, claro) e Roberto Carlos (Sua estupidez). O tempo passou e eu não fui, até este último sábado.
Pensando em Jazz Bar imaginei um lugar caro como o Bourbon Street, TomTom, e outros que esquecem que o jazz nasceu, como dizia Caetano ‘com os negros que sofrem horrores nos guetos do Harlem’. Aqui em Sampa sempre foi sinônimo de lugares elitistas, logo caros, o que fez que, por precaução, eu saciasse previamente minha fome no Burdog, em frente às Clinicas (um X-burger com molho a-la Chico Mineiro, com o queijo pouco derretido, pra não causar aquelas cenas dantescas de morde-puxa-estica-corta-com-a-mão).
Lá chegando, a recepção simpática de um barbudinho, que nos convidou primeiro a entrar e ver se as condições da casa iriam nos satisfazer, posto que estava lotada, com uma fila de espera por mesa de quase uma hora. O lugar é simples e pequeno. Duas salas ligadas por um corredor onde funcionam o bar, que se liga com a cozinha, que prepara pratos, que pelo que eu vi passar debaixo dos meus olhos e nariz, são super apetitosos.
Esperava encontrar um público trintão pra mais, mas, agradável surpresa, os mais velhos lá éramos nós. Nos acomodamos em banquinhos, pedimos umas bebidas, que após conferir no cardápio vimos que tinham preços super razoáveis (blagh! que mania de superlativos), simplesmente razoáveis e ponto.
Começa o show, com um trio (guitarra, contra-baixo e bateria) tocando um jazz que, uma vez um amigo, já perdido nas idas e vindas da vida, classificaria de ‘masturbatório’, só que, aqui, cada um goza individualmente. Primeiro o tema, depois as improvisações de cada um dos músicos e, finalizando, volta o tema inicial. Numa audição caseira acho isso meio sacal, mas lá, ao vivo, observando a técnica de cada um deles e o prazer com que tocavam, ficava tentando imaginar a simbiose, ou a empatia, sei lá, que aqueles caras desenvolvem pra tocar aquilo de improviso e tudo soar como música, simples (pra quem sabe) e com emoção . É incrível a musicalidade dos brasileiros, isso não tem como negar. Era música de altíssima qualidade, tocada por pessoas totalmente desconhecidas e que, provavelmente, passarão toda a vida assim. Mas quem se importa!
No segundo set, acrescentou-se um quarto componente (teria chegado atrasado?) que se encarregou de incluir os sopros (saxofone tenor e soprano e clarinete). Mais uma sessão de deleite, agora, confortavelmente instalados numa mesa ao lado dos músicos, podendo usufruir da magia da música tocada ao vivo.
Não quero ser pedante. Admiro vários tipos de música. Mas acredito que quando a técnica se coloca a serviço da emoção, que é a proposta do jazz, temos um outro patamar de fruição da beleza musical. E olha que curto um rockão (básico até progressivo), além de blues e seus derivados, clássicos, samba, chorinho, bossa nova (esses últimos acho que são o nosso jazz), e outros.
Pra finalizar, fiquei na dúvida quanto a pronúncia do nome do bar. Sempre achei que fosse TÊTA (a glândula mamária dos mamíferos, mas que se escreve sem acento). Verificamos que existe também TETA, como sendo a oitava letra do alfabeto grego. Lembram da escola: alfa, beta, gama, teta (pronunciasse téta). Bom, eu prefiro ficar com a primeira (TÊTA), aquilo que, pelo menos no gênero feminino da minha espécie, é belo, da vontade de acariciar, beijar, lamber, chupar, etc. Alguém prefere a outra origem?

P.S.:-1- Ainda tive a oportunidade de comprar três CD´s (Oh, Não! Tenho que
confessar: piratas) de um carinha que despertou meu lado Salim. Adquiri um Chet
Baker, um Bill Evans e um Guinga, por apenas 20 pilas. Por favor, me perdoem!
Tudo por uma boa causa: a minha!
2- Única falha: eles não aceitam cartão VISA. A solução: ir com alguém que tenha
MASTERCARD. Sorry, baby!

quinta-feira, maio 04, 2006

Pro resto tem Credicard

Espreguiçar levantar pegar o jornal no portão ler as manchetes ou a coluna preferida ainda no banheiro adicionar o leite na vitamina preparada na noite anterior torrar o pão integral na torradeira elétrica admirar os ‘nenês’ a dormir arrumando as cobertas no frio e constatar que poucas coisas são mais lindas que uma criança dormindo o beijo de despedida e despertar nela e ouvir na saída ‘não esquece de deixar o cheque” o exercício de logística para coordenar a utilização do único banheiro da casa porque o externo ninguém quer usar a não ser em emergências avisar pra filha não demorar no banho que se não atrasa todo mundo fazer uma gracinha qualquer mesmo que sem graça só pra ouvir o filho reclamar ‘‘não sei como consegue ter humor a essa hora da manhã” sair correndo pra deixar o troupe na escola o beijo na porta da estação do metrô sentir o cheiro do café fresco na saída pra comprar o pão idem voltando as vezes com o mini-pão de gergelim só pra se divertir vendo quem cata mais grãos caídos na toalha com a ponta do dedo umedecidos na língua aproveitar a quase meia hora pra ela se arrumar lendo Cem anos de Solidão do Gabriel Dublinenses do Joyce A Ditadura Envergonhada do Gaspari e um Clarice Lispector que não sei onde está ouvir as instruções ao pai para serem repassadas a diarista o beijo no elevador durante a descida do décimo andar até a garagem no subsolo ouvir o condutor dizer “esse trem destina-se a estação Luz e a CPTM deseja a todos uma boa viagem e um bom dia”.

terça-feira, maio 02, 2006

Conselho Organizações Tabajara

Se você apenas está pensando em criar/escrever um blog para se divertir, expor suas idéias, neuras, taras, etc, ou participar de um grupo com afinidades temáticas, encontrar novas amizades, ou até mesmo ter um affair, afinal os blogueiros(as), em geral, são pessoas tão inteligentes e divertidas, pra esses casos está dispensada a leitura do resto desse post.
Agora, amigo, se estais a pensar em escrever/divulgar um livro de 900 páginas (mesmo que fosse muito menos que isso) que lhe custou suor e lágrimas, então, antes de pedir a opinião a algum incáuto, acho bom ler o que segue.

CARTAS A UM JOVEM POETA
"PRIMEIRA CARTA"
" Paris, 17 de Fevereiro de 1903
Prezadíssimo Senhor,
Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, - seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.
Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com maior clareza no último poema, "Minha Alma". Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema "A Leopardi" talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos, sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem - usando da licença que me deu de aconselhá-lo - peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, - ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite:"Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate tudo isso com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, essa esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas desse longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre lusco e fusco diante da qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, - o único existente. Também, meu prezado senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará a resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.
Mas talvez se dê o caso de, após essa descida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o senhor de renunciar a se tornar poeta.
(Basta, como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.
Que mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.
Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Hoaracek; guardo por esse amável sábio uma grande estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste sentimento. É bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.
Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.
Com todo o devotamento e toda a simpatia,
Rainer Maria Rilke"

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