quinta-feira, dezembro 14, 2006

Bar Piratininga (I)

Hoje, depois de uma noite mal dormida, da dificuldade em levantar pela manhã, resolvi que não queria voltar para Jarinú à noite. Que diabos! Precisava aproveitar a vantagem de morar sozinho, de poder fazer o que quiser, ou pelo menos o que a pouca grana permitir. Botei uma muda de roupa na mala e fui pro trabalho. No caminho pensava no que fazer.

Logo me veio a mente o Piratininga. Dentre as muitas vantagens desse bar estava a dele ser neutro, em termos de memória afetiva. Afinal aqui passei bons momentos com a Senhorita A e, talvez, não tão bons com a Senhorita B.

Pra evitar aquela imagem dantesca de um cara sozinho, meia-idade(?), sentado numa mesa, com visão privilegiada da entrada, com um guardanapo preso ao pescoço, aquela cara de ‘fome’, boca ligeiramente aberta com a língua saindo pra fora, a lamber os beiços, por onde um fio de baba tentava escorrer; a faca na mão direita e o garfo na esquerda, ambos levantados em posição de ataque, esperando a primeira incauta a adentrar o recinto. Pra evitar isso é que prefiro estar aqui, discretamente, a escrever.

Outra hipótese: sentar numa mesa lá fora. Isso porque, conforme o mestre nesses assuntos Xico de Sá, levaria vantagem para o caso do bar ser o destino daquela donzela que brigou com o marido, ou namorado, e resolveu sair e DAR pro primeiro que encontrasse. Ainda assim, teria a concorrência, desleal, do manobrista.

Mas aqui estou eu ouvindo, num volume civilizado, Caetano, podendo até pescar algumas palavras da mesa ao lado.

Antes de vir pra cá, dando um tempo a espera da melhora no transito de Sampa, parei num posto pra comer alguma coisa, e fiquei folheando o livro de memórias da Danuza Leão. Acabei adorando a história com que ela finalizou o livro.

Conta ela que não sabia como terminar suas memórias, e resolveu buscar inspiração numa ‘esticadinha’ em, nada mais nada menos que, Paris. Quem foi rainha, nunca perde a majestade. Na sua primeira noite lá, com insônia, coitada parece eu, resolve vestir jeans, camiseta e tênis, e ir até um bar pra tomar um drink. Tudo muito chique, como vemos. Na volta, já quase duas da manhã, é abordada por um homem, segundo ela, ‘nem jovem nem velho, nem bonito nem feio, apenas um homem’. Que a convidou para um drink, depois de dizer que ela era ‘trés bélle’. Claro que ela recusou, educadamente, e entrou no hotel. Ao chegar no quarto, em seguida, toca a campainha. Era o mesmo homem. Dizia estar hospedado no mesmo hotel, quarto 62. Enfatizou que ambos estavam sozinhos. Por que ela não ia até seu quarto? Claro que, novamente, ela recusou, já não tão educadamente.

Mas, passado algum tempo, pediu uma ligação para o quarto 62 e, avisou: ‘estou subindo’. Não sem antes trocar o tênis por uma sandália de salto. Esse detalhe, achei maravilhoso.

Ao amanhecer quando acordou, como ocorre nos melhores filmes, ela nota que ele já tinha ido embora. Ela ficou até sem saber seu nome. Acho que a noite foi boa.

Bom, quem já escreveu de forma criativa, alguma vez na vida, sabe que o escritor, até mesmo nas memórias, pode não resistir a tentação de fantasiar um pouco.

Mas os detalhes podem não importar, quando se tenta relatar uma experiência intensa. E, acho, foi isso que ela nos quis passar, ao explicar os motivos de sua atitude. Simplesmente não pensou. Se deixou levar pelos acontecimentos.

Uma coisa que ela disse achei interessante, o desejo de um homem pode despertar o desejo na mulher. Em suas palavras: “a mulher prefere ser desejada, mais do que ser amada”.

Aí, me lembro da Senhorita A. Foi ela que me contou da situação de se sentir olhada como se o cara estivesse de garfo e faca na mão, que aproveitei no inicio. Ao que acrescentou que nunca sentiu essa sensação comigo.

Gozado, já a Senhorita B, não gostava do jeito que eu olhava para 'as outras'. Será que, pra ela, eu olhava de um modo diferente?

Duas ex-namoradas preferiram ser apenas amigas. Uma outra disse que, mesmo casada, com a certidão de casamento pendurada na cabeceira da cama, ainda assim não se achava capaz de fazer sexo... comigo? Não disse comigo, mas fiquei nas conjecturas, ora pois!

Realmente, RRRRRealmente, como dizia Chacrinha, sempre tive dificuldade, acho que por medo do ridículo, de mostrar os meus desejos. Será que ainda não é tarde pra aprender?

Mas, voltando à Danuza, ela teve uma coisa que tem me intrigado. Chamo, poéticamente, de ‘amor fátuo’. Mas tegiverso, tegiverso!

Porque estou aqui hoje? Como quero encaminhar minha vida daqui pra frente? Porque cheguei nessa encruzilhada?

Estava hoje lembrando dos sábados na antiga casa. O dia começava cedo, junto com a Senhorita A, que tinha que ir trabalhar. Com os filhos ainda dormindo, ia ao supermercado, açougue, cuidar do abastecimento da casa. Depois as tarefas de jardinajem: cortar grama, arrancar o mato, podar as plantas, etc. Depois lavar o carro. No fim do dia, exausto, fazer uma caipirinha de vodka, por um CD pra ouvir nas caixas externas, e sentar pra contemplar o jardim bonito e brincar um pouco com a cachorra, enquanto esperava o retorno da Senhorita A, pra gente decidir onde iria jantar. Ela se arrumava, se pintava, ficava mais bonita e saiamos.

Às vezes era meio sem graça. O lugar não era legal, ou a conversa não fluía. Mas outras era, com se diz, ‘tudo de bom’.

Me lembro do restaurante, perto do Juventus, onde estávamos com a filha e a sobrinha, pois o filho já estava se entocando, não sei se por causa do computador, ou se já era o problema da acne. Mas estávamos falando pras gurias sobre como achávamos que devia ser um relacionamento, acho que usando nós como exemplo. Até que num momento, a filha disse:” Pai, mãe, é por isso que amo vocês”. Pena que não gravei a cena, ou melhor, gravei onde ela não pode ser apagada, na memória.

Parêntesis: começou a música ao vivo! Um standard de jazz. Esse bar é ótimo. É difícil escrever ouvindo essa música. A música é uma viagem dos sentidos. Fecha parêntesis.

(Continua amanhã)

3 Comments:

At dezembro 15, 2006 8:08 AM, Blogger valter ferraz disse...

Estou esperando o amanhã

 
At dezembro 16, 2006 9:11 AM, Blogger Luz disse...

O Valter tirou-me as palavras dos dedos… mas também quero lhe dizer que fiquei com vontade de ler as memórias de Danuza Leão.
A realidade e o sentido da sua escrita demonstram perfeitamente o “correr da vida” e que no fundo é tudo igual a “experiência” de um casal, seja no Brasil, em França ou Portugal… a paixão; os anos seguintes; os problemas/fadigas; o conformismo… a desilusão; a separação…
Dependendo, para quem mais satisfaz, o voltar a ser “solteiro”, querer saborear a meia idade… Eh! Não se esqueça que voltou a ser “um rapazola jovem”, cuidado, com o charco…

Às vezes eu sou um pouco complicada (jeito de mulher), mas eu explico…

Um grande abraço

 
At dezembro 19, 2006 4:55 AM, Blogger valter ferraz disse...

Cadê? Tem nada aqui. Saco!

 

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