domingo, junho 18, 2006

Diário de Viagem (capitulo único)

Resolvi escrever uma espécie de diário de viagem, um pouco para afastar o tédio e a solidão que essas viagens causam e, muito, por estar sentindo falta de você. Eu sei que escrever pra você não é a mesma coisa que estar com você, mas é o ‘real’ da situação.
São dez da noite do meu segundo dia aqui. Estou esperando a chegada do sono, e torço que ele venha antes que o cara do quarto ao lado comece a roncar, o que ele faz de maneira infernal.
Hoje cheguei a me irritar com a tremenda ignorância do povo aqui de União dos Palmares. E aqui é a terra em que Graciliano Ramos já foi prefeito. Não entendiam perguntas simples como: quantos rádios você tem em sua casa? Rádio? Como assim? Não, não é de comer, é de ouvir - dava vontade de dizer. Ah!? Radinho di pia? Tem só um..Cenas reais da zona da mata nordestina. Como será que meus colegas que foram para o sertão estão se saindo?
Falando em zona da mata, dá dó ver a paisagem em que está se transformando isso aqui. É só cana de açúcar pra tudo quanto é lado. O Pro-alcoól que o governo tanto alardeia como futuro do país. Mas essa agricultura extensiva numa região paupérrima como essa, será que é a melhor solução? Trabalho sazonal é o melhor caminho para fixar o homem e evitar a emigração? É muita pobreza, e nenhuma perspectiva de melhora. Você atravessa cidades e só vê cana por todo lado. E cidades do interior se inchando em proto-favelas na sua periferia. Aonde não nasce cana, não cresce nada, porque já é o sertão. O nordeste vai acabar servindo de celeiro para os carros que rodam no sul? Quem ganha com isso? Como queria ter as respostas. Mas me sinto impotente. Parece que cada cidade tem seu ‘coroné’, reverenciado por todos e tratado como um Messias salvador. É tudo muito triste. ENQUANTO ISSO NÃO FOR MUDADO, NÃO VEJO SOLUÇÃO. Dá vontade de deixar o trabalho de lado e fazer proselitismo. Dizer que existe um partido novo, o PT, com origens populares, que tem propostas para mudar essa situação. Mas sei que temos que ir devagar. O despertar das consciências é um processo lento e, que se não respeitado, pode gerar horrores piores do que os que já existem.
Essa viagem entra num ponto crítico. Aquele em que você ainda acha que falta muito pra ela terminar e, ao mesmo tempo, faz muito que começou.
Me sinto completamente estranho no ambiente. O meu biotipo é completamente diferente das pessoas do lugar, e olha que eu estou bem moreninho e, mesmo assim, um nativo se dirigiu a mim pra pedir a hora me chamando de GALEGO. Mas de qualquer forma, trafego pelas ruas sem nenhum receio e me sentindo, apesar de tudo, bem a vontade. A hospitalidade das pessoas ajuda muito. È difícil fazer uma entrevista no portão. A maioria convida a entrar e sentar. Mesmo porque, nem elas agüentam o sol daqui. Alias, a preguiça parece ser a marca registrada do nordestino. Não no mal sentido, mas como uma maneira de agüentar o calor. Simplesmente ficando sem fazer nada quando nada se tem para fazer, e estar sempre a sombra e, se possível, com o ventilador ligado. Se ventilador fosse item de classificação socioeconômica, o nordeste, estaria um classe acima nas pesquisas. Mas, não é. Preciso falar disso com os sociólogos (na verdade meros analistas de estatísticas) do Gallup.
Já consegui descolar um lugar pra tomar café da manhã onde servem vitaminas, e assim dispensar a café da pousada, onde me deparo com coisas estranhas feitas a base de milho e mandioca, totalmente alienígenas ao meu desjejum sulista. E um lugar pra almoçar um lanche, sem excesso de cuentro como aquele cachorro quente do quiosque em Maceió (que me virou o estômago), com um suco de frutas por apenas 70 cruzeiros. Aliás, os preços da comida aqui são bem maneiros, acho que vai dar pra voltar com algum. Só falta um lugar pra jantar, porque hoje comi uma buchada (de bode?) , novamente com o fantasma do cuentro a me rondar, mas nada de desesperador.
Acabo de adquirir meu último vício (acho!): gastei 500 paus no fliperama que é a única diversão que existe aqui na cidade.
Uma coisa que queria contar pra você: uma vez, ainda quando estava na faculdade, e namorava a Magali, o Sérgio me perguntou se eu estava preparado para passar longas temporadas longe dela, caso eu começasse a trabalhar em Geologia fora de São Paulo. Eu disse que, acho, que estava. Ele duvidava. Mais uma vez ele acertou. È realmente muito difícil. Devo assumir: o mais IMPORTANTE PRA MIM SÃO AS PESSOAS. O amor e não o trabalho. Ou melhor, qualquer trabalho deve levar em conta o espaço (e o tempo) que ele me dá pra curtir as pessoas que eu gosto, e não vice –versa. A folha acabou, o sono vem chegando e... eu quero você.

União dos Palmares, 22 de Setembro/1982.

4 Comments:

At junho 19, 2006 11:22 AM, Anonymous Anônimo disse...

Nossa quanto tempo!
Esse era o diário de bordo não?

Seu texto esta bem melhor que o primeiro,mas detalhado ,principalmente quando fala da região e das necessidades da população, sem falar na letra.

 
At julho 21, 2006 7:43 PM, Anonymous Anônimo disse...

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