segunda-feira, abril 24, 2006

Paixão Antiga


Eu gostava muito de futebol quando garoto. Gostava tanto que inventei um jogo de futebol com pilhas. É, pilhas de rádio. As populares ray-o-vac de um lado, as eveready do outro e, como goleiros, algumas mais raras que eu sempre procurava colecionar. Gostava de montar campeonatos de várzea, que na época tinha times que eram conhecidos e admirados, com torcida e tudo. Me lembro do Continental, do 7 de Setembro, do 1. de Maio, do Vila Invernada (bairro em que morava), e outros que inventava. Fazia a tabela de jogos e, diariamente ocorriam um ou dois jogos do campeonato fictício, que eram verdadeiros clássicos. Os gols, eram emprestados do futebol de botão, jogo que achava muito parado, perto da nova modalidade que inventara. Dispunha as pilhas sobre o tapete da sala, onde passava horas, treinando jogadas, e finalmente, executando os jogos que consistia em passes milimétricos, dribles desconcertantes e cruzamentos para cabeçadas certeiras no ângulo, as vezes defendidas de forma ‘miraculosa’ pelo goleiro. Não me perguntem como fazia isso, mas lembro perfeitamente que as jogadas saiam. Minha mãe, além de reclamar dos invariáveis rasgos que essa brincadeira ajoelhado no tapete causava nas calças, o que fazia com que andasse sempre com reforços de couro na altura dos joelhos, devia achar muito estranho seu filho querido, brincando sozinho com aqueles craques imaginários. Sim porque cada pilha tinha uma característica e uma personalidade próprias, havendo aquele becão de fazenda, geralmente as mais sujas e velhas, e o centroavante goleador e ídolo da torcida, sempre limpinho e reluzente. E com direito a narrações emocionadas, onde imitava os jargões de meus cronistas esportivos prediletos como Fiori Giuliotti (o tempo passa, torcida brasileira!).
Bom mas isso é só uma introdução pra falar de um grande amor da minha infância, lá pelos 11, 12 anos. Foi o time do Botafoguinho. Pelo que me lembre quem teve a idéia de formar o time foi o Marcos, que era goleiro da seleção da escola, e seu irmão Julinho, que tinha um estilo muito elegante de jogar. Só que o critério pra montar o resto do time era o de amizade. Então entraram vários pernas de pau como eu, o Fesnedinha e seu irmão caçula, filhos do seu Fesneda, alfaiate do bairro, e outros que não consigo recordar. Nosso uniforme era a gloriosa camisa do time da estrela solitária do Rio. Ninguém sabia ao certo porque esse foi o uniforme escolhido, mas todos nós gostávamos da camisa alvinegra listada.
Nossa principal rotina era nos encontramos aos sábados a tarde, todos devidamente com os uniformes e tênis, alguns usavam chuteiras, tudo impecavelmente limpo, e rumarmos para os campinhos de terra batida, na verdade terrenos baldios, que haviam no bairro.
Invariavelmente nosso adversário de nove em cada dez jogos era a turma do Tonhão. Invariavelmente, também, o resultado eram uniformes sujos, e mais uma derrota avassaladora.
Lógico que haviam as acaloradas discussões sobre quem era culpado de que, quem não tinha dado sangue o suficiente pra evitar a humilhante derrota, promessas de nunca mais jogar naquele time de panacas, e outros bate boca. Mas não adiantava, no sábado seguinte estávamos todos juntos e sempre os mesmos, sem pensar em ‘reforços’, procurando e desafiando os adversários que aparecessem, que claro, era sempre a turma dos pés descalços e descamisados do Tonhão.
Acho que de tanto que apanhávamos, na bola bem dito, porque nunca houve briga entre nós, e por nunca desistirmos, começamos a ter o respeito do nosso tradicional adversário. Houve até mesmo um dia em que, provavelmente por algum desfalque, talvez até premeditado do Tonhão, conseguimos empatar um jogo, no último minuto. Foi uma festa, comemorada como se fosse decisão de campeonato com conquista de título.
Não sei dizer pelos outros amigos, que já perdi contato, mas pra mim, se nossa trajetória futebolística não fosse essa incrível coleção de derrotas, talvez a lembrança dessa época não estivesse presente ainda hoje. O importante era a sensação de fazer parte de um time, o orgulho de estarmos todos uniformizados, o exercício da amizade e, principalmente, porque, a cada novo jogo tínhamos a esperança que, daquela vez, seria diferente e, com certeza, daríamos o melhor de nós para conseguir o objetivo da vitória.

P.S. Esse texto não tem nada a ver com a derrota do meu time, o Palmeiras, antes que
algum engraçadinho venha a fazer a correlação. Mesmo porque, não consigo mais ver
graça em torcer por times que mudam totalmente ao final de cada campeonato. Estão
inteiramente fora do espírito do meu Botafoguinho.

4 Comments:

At abril 25, 2006 9:44 AM, Blogger valter ferraz disse...

Wilson, abriu o baú hein? Bom, primeiro obrigado por ter me poupado(qto. aos pernas de pau) A origem do nome Botafoguinho é que o Marcos e seu irmão Julinho tinham jogado num time lá de Poços de Caldas antes de mudarem para a Vila. E nosso adversário(além de nós mesmos) era o time do Tonhada.Mas tudo bem, o que importa mesmo é alembrança. Cara, vc lembrou até do Fesneda(Claudinei) meu amigo de classe. Valeu

 
At abril 25, 2006 4:05 PM, Anonymous Anônimo disse...

Eu nunca pratiquei esporte como obsessão, mas sempre como recreação e prazer. É isso, somado ao senso de grupo que vc descreve, que traz uma certa nostalgia ao ler o seu texto.

 
At abril 25, 2006 11:44 PM, Blogger wilson falchi disse...

Valter,
realmente nós jogavamos apenas para nos superar, nós eramos nossso maior adversário. Acho que isso ficou como uma lição de vida.

Jayme,
a recreação é sempre o objetivo maior. Mas quando a gente vestia aquele uniforme, uma coisa maior parece que se apoderava. era diferente de uma simples pelada. era um grupo de garotos tentando se superar. mas não era uma obsessão. apenas uma seriedade, uma cobrança maior que cada um, individualmente, se fazia. mas ninguém deixou de ser amigo por causa das derrotas.

 
At abril 26, 2006 2:29 PM, Blogger valter ferraz disse...

Wilson, swó para relembrar: quem era o becão do botafoguinho, hein?
memória curta, tsc, tsc.
................................
Jayme, o Wilson teoriza demais, não era isso tudo não, é um romântico o meu amigo.

 

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