sexta-feira, abril 21, 2006

Ouro de Tolo
Raul Seixas

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73
Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa
Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: e daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família ao Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para o belo quadro social
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

Estou com essa música na cabeça esses dias. É que troquei de carro, e lembrei do Corcel 73. No meu caso não é status, é contenção econômica, em função do aumento com gasto com combustível, precisei optar por um modelo flex pra tentar aproveitar a passageira economia do álcool, que já foi pra cucúia. Essa música me marcou muito na época de seu lançamento, acho que 74/75. Era adolescente e lembro que fazia muito sucesso. Era tocada direto nas rádios. O Raul ia aos programas de auditório, tipo Chacrinha, Bolinha e outros. Foi um verdadeiro hit. Eu ficava encucado. Não entendia o sucesso, porque achava a música um verdadeiro soco no estômago das pessoas.
A música fala da maior das revoluções que pode ocorrer: a revolução interna da eterna insatisfação. No caso, não a insatisfação material (“porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto: e daí?). Se tudo foi feito usando apenas dez por cento da minha cabeça animal, qual a graça? O que resta: sentar “no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”?
Na época, o que mais queria era minha independência (física e financeira) da família. Não que não gostasse deles ou que tivesse grandes traumas de convivência. Apenas achava que a minha realização pessoal teria que ser feita a revelia do que esperavam.
Sei que isso tudo pode soar meio anacrônico, nessa altura do campeonato mas, como disse no primeiro post, esse blog tem como um dos objetivos “economizar com psicólogo”, então preciso voltar no tempo e achar o elo perdido.
Um dos componentes é a tal da “realização profissional”. Trabalho numa área (análise de sistemas) que não posso dizer que foi minha vocação natural. Até aí acho que 90% da humanidade me acompanha. Mesmo porque, esses 90% não sabe, ou não desenvolveu, sua vocação natural. A minha eu gostaria que fosse a música, mas a falta de certo talento e um auto-senso crítico exacerbado me fizeram desistir de tal forma que hoje fazem anos que não toco nada.
No inicio, a sensação do trabalho bem feito, o reconhecimento e as conseqüentes promoções, a evolução natural da vida afetiva, filhos, a acumulação patrimonial, tudo trabalhava a favor da atenuação dos conflitos internos.
Mas tudo aquilo que não se resolve, conspira para um dia retornar (dizem que FREUD explica). Atualmente estou fechando mais com REICH.

P.S: esse texto foi escrito no inicio do ano e não publiquei porque achava que deveria desenvolver mais. Mas, não há muito o que acrescentar. Então, o negócio e passar a regua nessa sequencia de posts 'eu & meu umbigo', e seguir viagem, afinal, estou aqui só de passagem mesmo.

7 Comments:

At abril 22, 2006 9:51 AM, Blogger valter ferraz disse...

Ei, comentando o Raul: é a vocação da mídia,"engolir" todo o movimento em contrário. Vide serginho groisman, dá prá dizer que é o mesmo dos tempos da cultura?
Comentando Wilson Falchi: tem mais pérolas guardadas?

 
At abril 22, 2006 9:54 AM, Blogger Claudio Costa disse...

Wilson:
1) obrigado pelo comentário no "Livros & Afins". De lá vim pro seu blog e já vi que "tem sustança" (como se diz por aqui). Quando é assim, a interlocução só pode acrescentar.
2) No "Pras Cabeças" tem, sim, caixa de comentários. Gostaria muito de suas apreciações.
3) Quanto ao seu post de hoje (a partir do poema-música do Raul), a mim também soou, na época, como "soco no estômago". Mas o ser humano sempre se defende do verdadeiro conhecimento - como diz Freud: a psicanálise fala daquilo que não queremos saber.
4) Abraços.

 
At abril 24, 2006 9:10 PM, Blogger wilson falchi disse...

Valter,
O problema do Serginho acho que é mais o horário que passa. Parece que emparedaram ele, pra nao ter muita audiência mesmo, e eliminar a concorência que fazia em horário mais nobre na outra emissora.

Cláudio,
Obrigado pela visita. O problema dos comentários foi circunstancial, já verifiquei que está tudo ok, e devo dar meus pitacos, porque seus assuntos muito me interessam.
Um abraço.

 
At abril 24, 2006 9:46 PM, Anonymous Anônimo disse...

oi
cheguei aqui porque temos nomes parecidos..."leve"..o meu...mais leve mesmo...rs
Acho que foi muito feliz num comentário, que 90 % das pessoas acabam na profissão por acasos...e que na verdade gostaríamos de fazer outra coisa, no seu caso...cantar, no meu...dar aulas, como sempre quis...mas eis que o destino me mandou para outra interpretação...
é destino né não?

acho que sim...

um beijo grande

 
At abril 26, 2006 2:34 PM, Blogger valter ferraz disse...

Cláudio, me apropriando do espaço alheio: o Wilson tem muita sustança realmente, ele às vezes esconde o jogo, mas é buona gente! também lí/ouví muito o Raul, mas me tocava mais o jeito transgressor, a levada rock'roll dele que propriamente as letras, no fundo um visionário que faz falta hoje nestes tempos bicudos que vivemos.

 
At abril 26, 2006 2:36 PM, Blogger valter ferraz disse...

Wilson, Serginho ainda: é o "sistema"?Lembra quando a gente criticava isso(românticos tempos aqueles), que a gente nunca ia se vender ao sistema, não ligávamos para o dinheiro,hehe, hoje venderia até caneta na rua se pagassem bem. Mas no caso do menino aí, acho que emparedaram mesmo,uma bolada($) e aquietaram o moço.

 
At abril 26, 2006 2:38 PM, Blogger valter ferraz disse...

Cláudia, no caso do Wilson ele queria tocar, por que cantar a gente fez ele desistir. Pergunta prá ele do Ponte Aérea e ele te conta(ou não)
Um abraço

 

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