segunda-feira, abril 10, 2006

Duas Árvores

“Era uma vez dois vizinhos. Não tinham mais quase nada em comum além de serem vizinhos. Um era cara de garotão, casado, com um filho de mais ou menos sete anos, e um poodle sempre impecável no banho e na tosa. Era alegre, expansivo, comunicativo, etc, etc. O outro era taciturno, quieto, mais velho, cabelos ainda longos pra idade, barba e bonachão. Morava só, não totalmente, porque tinha dois vira-latas que passavam a maior parte do dia na rua. Diziam que tinha filhos que poucas vezes foram vistos na casa. Os dois tinham um jardim, que de certa forma refletia a personalidade de cada um, como não deveria deixar de ser.
Por uma dessas coincidências que só acontecem nos contos da blogsfera, ambos se encontraram no caixa de uma loja de plantas e, pasmem, ambos estavam comprando uma muda da mesma espécie de árvore. Ficaram sabendo que ambos pensavam em planta-las na frente da casa de cada um. E assim foi feito.
Passaram a se cruzar quase que diariamente. Enquanto um, vocês sabem qual, estava sempre regando, tirando as ervas daninhas, podando os galhos que teimavam em fugir a estética que ele planejava para a árvore, colocando estacas para garantir um crescimento sempre reto e pra cima, o outro ficava a maior parte das vezes apenas contemplando a planta. As vezes parecia até conversar com ela, afinal era um cara meio estranho mesmo.
E assim se passaram alguns anos e as diferenças já eram notáveis. Enquanto uma estava frondosa, cheia de galhos e folhas sempre verdejantes, com uma copa que parecia esculpida pelo ‘Edward mãos de tesoura’ do Tim Burton, a outra, coitada, pensava o nosso vizinho, estava mais pra raquítica, com galhos que pareciam brigar um com o outro, cada um pendendo pra um lado, o tronco curvado e retorcido.
Mas eis que um dia, e sempre existe um dia, mais especificamente foi uma noite, já madrugada, houve um temporal além do normal na região. Ventos em rajadas violentas e chuva torrencial que encharcaram e inundaram vários pontos da cidade.
Na manhã seguinte nossos vizinhos ao saírem de casa checkaram os estragos. Nosso amigo zeloso, ficou estarrecido ao ver sua bela árvore arrancada do seu lugar e arremessada do outro lado da rua. Enquanto o outro verificou apenas alguns galhos quebrados e outros caídos ao pé da sua.
Aí o garotão não se conformou e resolveu abordar o barbudo.
- Escuta, me explica como pode a sua árvore ter resistido tão bem ao temporal, enquanto a minha foi totalmente destruída.
O outro foi observar a árvore arrancada e o local onde ela estava plantada. Em seguida,
entrou na sua casa e voltou com uma enxada e uma picareta e começou a fazer um buraco,
cerca de um metro longe do tronco da sua árvore. Cavou fundo, quase um metro pra baixo
também, até encontrar a raiz dela. Em seguida mostrou pro vizinho.
- Veja, a sua árvore está com uma raiz muito pequena e superficial, enquanto que está outra tem uma raiz ramificada e profunda. Isso fez toda a diferença quando elas tiveram que suportar a força da tempestade.
- Mas eu sempre cuidei e protegi minha árvore durante toda seu crescimento, enquanto que você, eu via, nada fazia pela sua. Como que pode ter havido essa diferença.
- Bom, acho que enquanto a sua tinha tudo de um modo fácil e abundante, essa aqui, eu sempre dizia pra ela, que era bom se virar pra achar água e os demais nutrientes no solo onde estava. Acho que ela entendeu o recado e tratou de, embora penalizando a folhagem externa, desenvolver raízes fortes a fim de encontrar a melhor maneira de sobreviver.”

Esse texto é uma livre, e bota livre nisso, principalmente nos aspectos botânicos da coisa, recriação de outro que recebi, via e-mail, uns dois anos atrás. Se tinha autoria, não lembro qual. Ficou na minha memória, principalmente pelo ponto de vista diferente que ele contém. Mas acho que cai como uma luva para a educação, principalmente de filhos. Posso afirmar que não acompanhei como gostaria a educação, por exemplo escolar, dos meus filhos, mas as mães com as quais convivi, que frequentavam com assiduidade as reuniões escolares, sempre ressaltaram o fato, na maioria das vezes irritante, de certos pais acharem os seus filhos o centro do universo. De acharem que a escola estava sempre sendo injusta e enérgica demais nas suas avaliações e medidas disciplinares. Tiravam toda e qualquer autoridade dos professores e da direção. Não que eu defenda o autoritarismo na formação escolar, muito pelo contrário. Ainda pretendo escrever aqui sobre algumas experiências pedagógicas alternativas que vão muito mais de encontro ao que penso sobre o tema. Mas a metáfora desse conto acho totalmente valida no que diz respeito ao aspecto da super-proteção na educação.

5 Comments:

At abril 11, 2006 8:18 AM, Blogger valter ferraz disse...

Plac-plac-plac-plaplac-plapac-placplac...
está escutando? vou dizer nada não.

 
At abril 13, 2006 10:35 PM, Anonymous Anônimo disse...

Oi, Wilson,
Posso até, quase, garantir, que essa espécie de superproteção, tipo pai de atleta, acaba funcionando ao contrário. Protegeu demais, criou filhos desprotegidos da vida.
Cansei de ver, embora em situação menos comum do que em colégios, alunos de Faculdade, onde dei aulas, sem segurança ou iniciativa, por depender demais dos outros.
Deixa a raiz crescer, se virar, sozinha.
Bom conselho!
Abração
fernando cals

 
At abril 14, 2006 11:27 PM, Anonymous Anônimo disse...

Fernando, obrigado pela visita.
Me lembro, agora, do título do poema do Joseph Conrad, chamado "Que raizes se agarram". Isso me leve a imagem de um pequeno arbusto crescendo no meio do concreto da Pça Rooselvelt, que pra quem não conheçe, é uma praça sem verde, só concreto, aqui em Sampa. Pois bem, nos interstícios do concreto, haviam arbustos crescendo. Uma maravilha!
abraços.

 
At abril 14, 2006 11:29 PM, Anonymous Anônimo disse...

Desculpe, Fernando, o anônimo sou eu.
Wilson

 
At abril 15, 2006 8:13 AM, Blogger valter ferraz disse...

Essa praça tem muitas estórias.Qualquer dia te conto uma.
Abraço

 

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