terça-feira, outubro 10, 2006

O Coração da Matéria

Scobie é católico e, também, delegado de polícia numa colônia inglesa qualquer localizada na costa da África Ocidental, durante a segunda guerra.
Suas tarefas, nesse teatro periférico da conjuntura bélica, era tratar dos pequenos dramas dos negros do lugar, a fim de manter a ordem; vistoriar navios de passagem em busca principalmente de diamantes que poderiam ser utilizados pelos alemães na construção de armas, e decodificar mensagens criptografadas nas correspondências que chegavam. Nada de emocionante, podemos ver.
Era casado com Louise, também católica e a intelectual da cidade, já há vários anos. Sem filhos, posto que haviam perdido uma menina.
Fora preterido no processo de substituição do comissário da capital da colônia por outro forasteiro mais jovem. Isso trouxe um pouco mais de fel para o seu relacionamento com a esposa, que não se adaptava a vida modorrenta do lugar, quente e úmido. Ela não fazia nenhuma acusação direta, mas para Scobie, sempre preocupado e se sentindo responsável pela sua felicidade, isso não era necessário para lhe aumentar a sensação de fracasso e impotência.
Aparece uma oportunidade para Louise viajar para a África do Sul, mas ele não tem dinheiro para as passagens. Resolve aceitar um empréstimo do sírio Yousef, um dentre todos os sírios do lugar, suspeitos de atividades ilícitas, para poder satisfazer o desejo da esposa de sair do lugar. Considerava essa viagem como uma separação extra-oficial, e sem volta.
Durante a viagem da esposa se envolve com Helen, uma náufraga sobrevivente que, com a morte do marido no naufrágio, fica na cidade, perdida. Mais que amor, novamente é seu senso de responsabillidade por sua felicidade, que o mantém ligado a Helen.
Até que a carta anunciando a volta de Louise o traz de volta a realidade das aparências, e desencadeiam um conflito entre sua fé católica e seus valores mais íntimos. Não consegue abandonar nem a esposa nem a amante.
Confessa, no anonimato do confessionário, seu adultério ao Padre Rank que, seguindo os cânones, ordena que ele se afaste da amante, para poder receber o perdão. Diante da afirmação dessa impossibilidade padre Rank sentencia: “Foi-nos ensinado a perdoarmos nosso irmão setenta vezes sete e não necessitamos temer que Deus seja menos clemente do que nós. Mas ninguém começa perdoando a quem não está contrito. É melhor pecar setenta vezes e arrepender-se de cada vez, do que pecar uma vez e nunca se arrepender.”
É nesse contexto, mal e porcamente relatado, já com Louise de volta, que Scobie se vê na iminência de profanar sua fé, indo comungar junto com a esposa, sem receber a absolvição dos seus pecados através da confissão.

O trecho a seguir mostra a grandeza de Graham Greene, autor do romance do título:

“O Padre Rank desceu os degraus do altar trazendo Deus. A saliva havia secado na boca de Scobie. Era como se suas veias houvessem secado. Não podia erguer a vista. Via apenas a fralda da alva do padre como a gualdrapa do corcel medieval de guerra investindo sobre ele, o tropel dos cascos: a carga de Deus. Se pelo menos os arqueiros disparassem de emboscada... E por um instante imaginou que os passos do padre tinham de fato hesitado. Talvez, afinal, alguma coisa possa ainda acontecer, antes que Êle chegue a mim, alguma interposição incrível... Mas, com a boca aberta (tinha chegado a hora), fez uma derradeira tentativa de oração: “Ó Deus, ofereço-Vos a minha condenação. Tomai-a. Utilizai-a em favor delas”, e sentiu na língua o leve gosto de papel de sua sentença eterna.”

2 Comments:

At outubro 11, 2006 8:17 AM, Blogger valter ferraz disse...

Puxa vida! Eu lí as duas primeiras linhas e pensei: é Grahan Greene. Lí até o final e ví confirmadas minhas suspeitas. O texto dele é inconfundível, assim como os nomes, Scobie, por exemplo. Qual o nome deste livro que eu não lí?
Abraço para você

 
At outubro 11, 2006 10:45 AM, Blogger wilson falchi disse...

O nomme do livro é 'O coração da matéria'.

 

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