terça-feira, setembro 12, 2006

A Decisão

Ela havia aceitado seu pedido de reconciliação, mais uma vez. E o convite para o jantar comemorativo de praxe. Ms agora enquanto se preparava para encontra-lo, estava decidida a voltar atrás e terminar tudo, de vez. Não estava mais disposta a se entregar e se sentir insegura com a falta de... reciprocidade? Não, isso era muito do seu jargão técnico de economista. Na verdade era cumplicidade o melhor termo. Não queria mais pensar que, enquanto ela necessitava da posse, ele desejava o compartilhar. Um tal de ‘sentimento do mundo’ que ela não entendia. Enquanto ela dizia tudo que tinha no coração, ele racionalizava, ponderava prós e contras e, muitas vezes, se calava. Aquele equilíbrio a incomodava. Não sentia uma entrega completa. Definitivamente, os objetivos não eram os mesmos. Não, não era possível continuar.
Mas o jantar decorreu agradabilíssimo. A conversa era sedutora, animada e inteligente, embora essa última não fosse essencial naquelas circunstâncias. Ele estava particularmente feliz aquele dia, o que não era muito comum. Nesses momentos era difícil não sucumbir à mesma sensação de encantamento inicial.
Voltaram para sua casa e, antes que ela esboçasse o pedido para conversar, ele desceu do carro, abriu sua porta, e a puxou para a varanda interna da casa, onde tudo começou. Sem nada dizer, iniciou um beijo, com volúpia. Não conseguiu esboçar reação, pelo contrário. Aquele ainda tinha gosto de primeiro beijo.
Foi quando ele desceu a mão pelas suas costas, nuas, até a altura da cintura, que ela se lembrou. Estava sem calcinha. E ele percebeu. E agora, pensou, o que ele vai pensar? Como pode cometer esse deslize, dar um sinal contrário ao que pretendia. Sua feminilidade, seu instinto de sedução natural, falaram mais alto. Não havia como usar aquele lindo vestido, com aquele ajuste colado ao corpo, e aquele tecido, com uma calcinha, sem marcar. Isso, com certeza, sempre esteve fora de cogitação. Mas agora precisava pensar em algo rápido, porque sua mão direita já estava acariciando sua perna, por baixo do vestido e, antes que pudesse deter aquele avanço, assim que a mão chegou na altura da cintura, deslizou para o seu púbis e dali, numa reviravolta de cento e oitenta graus, seus dedos tocaram onde ela temia... queria. Não demorou muito para soltar um gemido, contido... sentido.
Olharam-se bem nos olhos. Ele retirou a mão, passou os dedos molhados sobre seus lábios,e os secou com outro beijo.
Em seguida sorriu, desejou boa noite, voltou para o carro e saiu. Não foi tudo rápido assim, foram momentos eternos. Ela entrou, tentando lembrar quais eram mesmo as palavras que estava tão decidida a dizer.
No dia seguinte, após uma noite de completa insônia, levantou bem cedo e foi até a casa dele para deixar um envelope com uma carta escrita durante a madrugada, e a aliança. Não colocou no envelope o estojinho vermelho que a embalava originalmente, cuja visão tanto a amolecera tempos atrás, porque não o encontrou. Por que a carta nesses tempos de e-mail? Porque queria alguma coisa mais personalizada, mais quente, que contivesse um pouco de sua personalidade. Portanto, lá estava ela na sua letra angulosa, elegante.
Desceu do carro e se dirigiu a passos lentos até a caixa de correspondência. Pisou sobre um folheto com as ofertas do supermercado do bairro. Havia outro igual, obstruindo o bocal da caixa onde ela devia colocar seu envelope. O dia já estava quente, àquela hora da manhã. Um pássaro cantou no alto da quaresmeira florida, na calçada. A cabeça meio zonza fez com que demorasse pra perceber seus dois vira-latas, de raça, assim ele orgulhoso os apresentava, latindo alegres e ruidosamente ante sua presença, com certeza estranhando porque ela não abria o portão e entrava, como tantas vezes fizera. As chaves da casa! Sim, havia esquecido no porta luvas do carro, que estava ligado. Também tinha que devolver. Ouviu o barulho da sua janela se abrindo no alto do sobrado. A última coisa que queria era ser encontrada ali. Tinha que agir, e rápido.
Quando a janela se abriu, ele só pode ouvir o ronco de motor acelerando um carro encoberto pela folhagem da quaresmeira. No banco do passageiro, por cima de vários papéis, um folheto de supermercado, amassado.

6 Comments:

At setembro 13, 2006 5:02 AM, Blogger valter ferraz disse...

Voa passarinho, voa. Belo texto. Será que ela entenderia o quanto de paixão ainda tinha guardada?
Falar nisso(ou acho até que não tem muito a ver, mas vai lá) naquela questão do ciúme, o Cláudio escreveu um belo post passa lá no PrásCabeças.
Abração

 
At setembro 13, 2006 5:06 AM, Blogger valter ferraz disse...

hei, arruma o link do Cláudio aí que não está funcionando: http://prascabecas.blogspot.com
Tchau

 
At setembro 13, 2006 10:04 PM, Anonymous Anônimo disse...

Valter, você sabe que o prás cabeças é terreno minado, pra mim. Mas fui lá conferir, rapidamente. Ali a patologia é bem mais grave. Sai de retro...

 
At setembro 13, 2006 11:55 PM, Blogger valter ferraz disse...

hihihihihi!

 
At setembro 14, 2006 5:24 PM, Anonymous Anônimo disse...

Maravilha, Wilson. Muito bom!

 
At setembro 18, 2006 1:35 AM, Blogger Angela disse...

Como a vida afetiva se complica quando se é jovem!!!
Belo conto!

 

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